Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)
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o mês de
agosto, dedicado inteiramente às vocações, as comunidades católicas celebram a SEMANA
NACIONAL DA FAMÍLIA. E quando tratamos do tema da família, é recorrente a
referência à bíblia, particularmente à família biológica de Jesus. Mas esse
recurso pode se tornar arriscado se ignoramos a distância histórica e cultural
entre a família oriental do tempo de Jesus e as famílias ocidentais do século
21. Consideremos brevemente essa questão.
Nos
evangelhos, a Sagrada Família de Nazaré aparece como uma autêntica família
judaica, herdeira fiel das esperanças messiânicas que alimentavam a vida dos
pobres, guardiã fiel e praticante das orientações religiosas do judaísmo. Ao
mesmo tempo, os evangelhos mostram a família de Jesus como o gérmen da nova
família humana, sustentada e orientada pela utopia do Reino de Deus como graça
que congrega as pessoas e derruba as barreiras.
Por
estar radicada em Nazaré, na Galiléia, e por desempenhar trabalhos artesanais,
no olhar das famílias de Jerusalém, a Sagrada Família carregou a marca da
suspeita e do menosprezo. O domicílio em Nazaré sublinha a inserção da Sagrada
Família no povo de Israel, como numa espécie de grande família étnica. O
crescimento de Jesus ocorre nessa interação viva. Ele aprende e ensina, unindo
a relação com Deus e a relação com os homens e com o seu povo.
Em
relação à família tradicional, Jesus foi uma espécie de transgressor. Rompeu
com ela e afastou-se das suas expectativas, que consistia em casar-se, cuidar
da família e lutar pela sobrevivência. Vivendo o celibato, Jesus transgrediu
também a obrigação de casar e gerar filhos, algo impensável para um rabino.
Viveu a partir do sonho do reino de Deus, interessou-se pelas pessoas simples
da Galileia, identificou-se com seus problemas e esperanças.
Esta
opção de Jesus pela utopia do Reino de Deus e pela defesa vida das vítimas está
na raiz do conflito com sua família. Seus parentes tiveram dificuldades de
acreditar nele e até pensaram que havia enlouquecido. O desfecho deste conflito
foi o distanciamento da família de sangue e uma opção por uma vida itinerante.
A comunidade que nasceu da sua pregação também foi crítica em relação aos laços
familiares, como testemunham es escrituras.
Este
distanciamento de Jesus em relação à sua família de sangue, especialmente no
período de sua missão pública, não significa que as experiências afetivas e
familiares da infância e da juventude não tenham permanecido vivas. Tudo o que
ele aprendeu, amou e sonhou em Nazaré aflorou mais tarde na sua pregação: o
valor das coisas pequenas e escondidas, a solidariedade com os vizinhos, o
caráter paterno e próximo de Deus.
No
que se refere a José e Maria, podemos dizer que eles realizaram de modo
exemplar a participação na família nova, inaugurada pelo filho Jesus Cristo, em
obediência ao Pai. Também eles cumpriram com prontidão a vontade do Pai.
Marcada pelo ambiente simples e desprezado de Nazaré, a Sagrada Família, foi
protagonista e modelo na busca e no cumprimento da vontade do Pai. Mas aqui já
não temos mais a simples família tradicional.
Jesus
ocupa um lugar central na Sagrada Família de Nazaré. Sua presença se irradia
sobre Maria e José: eles se comovem, impressionam e maravilham diante da
novidade; acolhem e recebem seu mistério do Reino de Deus, embora, por vezes,
fiquem atrapalhados e desorientados. Jesus transcende seus próprios pais, e
isso os estimula ao crescimento na compreensão do mistério de Deus na sua vida.
Eles se tornarão discípulos do próprio filho!
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