terça-feira, 8 de maio de 2012

ABRAM OS OLHOS - CURA DE UM CEGO DE NASCENÇA

 -ABRAM OS OLHOS -
CURA DE UM CEGO DE NASCENÇA
JORGE LEÃO – MFC/MA

J
esus cura um cego de nascença, no templo, que é o espaço da peregrinação religiosa judaica, tendo que enfrentar a visão extremista dos fariseus. A reação violenta contra a realidade que se mostra plausível diante de seus olhos é fruto de uma conhecida elaboração doutrinária da religião, em que a lei tem supremacia sobre a condição humana. Nada mais previsível que uma palavra (ou melhor, doutrina) religiosa imbuída da arrogância e da prepotência de suas “verdades” irrefutáveis.

Mas, no evangelho de Jesus, o amor não conhece os limites ou imposições da lei. O amor é maior que a religião [1]. Ele enxerga a necessidade do outro como clamor. Não há mais tempo para longas explicações sobre o porquê de nossas frequentes lamentações. Por isso, dentro do cenário restrito das autoridades, o Mestre envia o cego de nascença à piscina de Siloé [2]. Logo em seguida, recuperada a visão, todos em volta, com olhos aturdidos, perguntaram-se sobre aquele homem, e se porventura não haveria naquela versão dos fatos alguma confusão ou ludíbrio.

“Sou eu mesmo” (vers. 9). Esta é a resposta do homem. A indicação que ele dá aos fariseus é sobre certo “homem chamado Jesus que fez lama em meus olhos e mandou que fosse lavar os olhos na piscina de Siloé. Fui, lavei-me e recobrei a vista” (vers. 11).

Há um simbolismo profundo nesta passagem. O Mestre usa os elementos da terra, a lama, para abrir os olhos, depois a água. A cura que nos abre os olhos para a dimensão do divino inicia-se com a ligação a mãe terra. As mãos são os instrumentos e a terra a fonte. Para chegar à água na piscina de Siloé é necessário correr o risco da adesão à terra por meio do toque das mãos do Mestre em nossos olhos. O caminho é a plenitude telúrica, a fim de abrir-nos os olhos para a “luz do mundo” [3].

Contudo, para o poder religioso instituído na época, aquela cura representa uma profunda ameaça à estabilidade moral do povo. Aquele homem cego era sinal de um nascimento em pecado, segundo a interpretação corrente. Jesus, mais uma vez desapontando os olhos embaçados dos fariseus, aponta a misericórdia de Deus como sinal de vida. Há, então, um choque entre duas visões de Deus.

Uma, que aproxima Deus dos olhos dos homens. É a letra da lei que impera nesta primeira interpretação. Temos a herança do pecado sobre o sofrimento de uma vida destinada à exclusão da graça. Aquele homem era mendigo, perambulava pelas ruas sem qualquer sinal de mudança.

Com a chegada da “luz do mundo”, rompe-se com a obnubilação advinda de um olhar determinista da autoridade religiosa sobre a pessoa humana. Neste caso, a lei maior é o amor, e os caminhos que se mostram para o homem cego condenado à vida mendicante são o da misericórdia e do perdão, “para que nele sejam manifestadas as obras de Deus” (vers. 3).

É preciso abrir nossos olhos diante da visão estreita de uma religião que apenas julga e condena. Dentro do “lugar sagrado” é preciso dizer que não é o templo de pedra que nos religa a Deus, mas uma consciência aberta à realidade infinita da abundante graça divina. Jesus mergulha o ser humano no âmbito do ser. Ele nos envia para a piscina de Siloé, simbolicamente, para que possamos ver novamente.

A água pode ser interpretada como a própria experiência da reconciliação do homem cego com Deus. A água purifica, lavando nossos olhos da poeira do egoísmo e da limitada compreensão de nossa existência no mundo.

A ida à piscina transporta-nos, com isso, para os pés do Mestre. Isto incomoda profundamente as autoridades religiosas de ontem e de hoje. Assim sendo, a experiência da visão purificada na água de Siloé implica na adesão incondicional à lei do amor. Agora vemos translúcidos. Jesus nos abre a porta do templo interior, onde reside a visão essencial de todas as coisas.

A passagem termina com uma palavra dura aos fariseus: “se fôsseis cegos, não teríeis pecado; mas dizeis: ‘nós vemos’. Vosso pecado permanece” (vers. 41). Como é sabido, é bem mais fácil falar do julgamento alheio e explicar os males do mundo pela lente da condenação. Isto pressupõe um lugar de fala que se auto-intitula “santo”. Tal postura traduz claramente que é muito arriscado manter uma postura religiosa aos olhos do mundo, sempre santa, e sem pecados...

É comum rodear a palavra condenatória com ares de representantes de Deus na terra. Jesus, em sua peregrinação terrestre, jamais se auto-intitula “santo”, pois sabe que o mergulho no ser implica em uma atitude silente, de paz e gratuidade.

Precisamos de um olhar que se lance ao mundo, ansioso por ver a “luz do mundo”. No contato direto de nossos olhos com a luz, surgirá inicialmente a dor do ver sem óculos escuros. A experiência da visão redimida é uma adesão paulatina, no dia-a-dia dos desafios no mundo. Constitui, portanto, um desafio radical que traduz a suprema experiência do ver da fé, plena e livremente liberta das amarras da lei e do dogma religioso, ainda sem perceber a graça translúcida diante das colunas de pedra de nossos ornamentos, pré-conceitos, julgamentos e condenações.

Vendo frente a frente o homem que nos restitui a luz, poderemos, enfim, dizer: "agora, Senhor, eu te vejo com meus próprios olhos".

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