sábado, 26 de fevereiro de 2022

Reflexão Litúrgica do VIII Domingo do Tempo Comum - 27/02/2022

Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de Brasília

“O CORAÇÃO, FONTE DAS AÇÕES”

A

 Palavra de Deus deste oitavo domingo, no Evangelho (Lc 6, 39-45), traz vários ensinamentos de Jesus, que nos fazem olhar para nós mesmos, para a nossa realidade humana e espiritual e respondermos as perguntas: que caminho fizemos no nosso crescimento interior e que caminho deveremos ainda trilhar no nosso crescimento? Jesus inicia com um provérbio que expressa a realidade da cegueira espiritual: “Pode um cego guiar outro cego?” A cegueira é a incapacidade de ver, aqui ela expressa a falta de crescimento espiritual, humano. Alguém que não cresceu espiritualmente, humanamente, pode formar outra pessoa? Pode ser mestre de outro? Jesus mostra que não. Jesus continua mostrando que o caminho do discipulado é seguir o mestre. Ele é o nosso mestre. Quem quer ser perfeito deve se espelhar em Jesus, deve buscar se identificar com Jesus. A perfeição cristã não é um caminho de conformação ao mundo, às últimas ideias do mundo, mas sim,  a Jesus Cristo, ao seu Evangelho: esse é o caminho do discípulo.

Em seguida, Jesus usa a imagem do cisco no olho. Para tirar o cisco do olho do irmão, do outro, é preciso estar com o olho limpo, sem uma trave. Quem tem uma trave no olho, não consegue ver para tirar o cisco do olho do irmão. É a realidade de cada um de nós que deve analisar-se, conhecer seus pontos fortes e suas debilidades, seus defeitos e virtudes. Quem se conhece, é capaz de, verdadeiramente, ajudar os irmãos. Pouco tempo faz se tinha o hábito, nos seminários e casas religiosas, de antes da oração da noite, se fazer o exame de consciência. Infelizmente é um hábito que parece que foi perdido. O exame de consciência nos ajuda a nos encontrarmos, todos os dias, com as nossas virtudes e com os nossos defeitos. Conhecer- se a si mesmo é um princípio de sabedoria e a condição para ajudarmos os outros a crescer. Por isso, Sócrates já dizia: “Conhece-te a ti mesmo”.

Por fim, Jesus usa a imagem da árvore boa que dá bons frutos e a árvore má, que dá frutos ruins. Essa imagem da natureza nos ajuda a olharmos para a nossa interioridade, para o nosso coração. É da nossa forma de pensar, de conceber, da nossa interioridade, que provem as nossas ações. A nossa exterioridade revela a nossa interioridade, o nosso coração. Por isso, Jesus conclui: “O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira coisas boas, mas o mau, de seu mal tira o que é mau: por que a boca fala daquilo que o coração está cheio” (Lc 6, 45). O Evangelho remete para a interioridade, para o coração. É dali que sai o bem e o mal. Se o coração é bom, sairá coisas boas, se o coração é mal, sairá coisas ruins. Este Evangelho deve nos conduzir à reflexão sobre a educação na nossa sociedade hoje. Vive-se num mundo da exterioridade, da cultura da aparência, e a formação da interioridade, da consciência, onde fica? Se quisermos uma cultura de valores, pautada pela ética, pelo bem, é preciso formar o coração e a consciência das pessoas. Nossas ações externas revelam aquilo que vai dentro de nós. Que o grande educador, Jesus de Nazaré, nos ajude a uma educação integral, a uma educação que forme o coração, a consciência para o bem, para os valores.

Bom dia... 26/02/2022

 


sábado, 19 de fevereiro de 2022

Reflexão Litúrgica do VII Domingo do Tempo Comum - 20/02/2022

Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de Brasília

AMAI OS VOSSOS INIMIGOS

A

 palavra de Deus deste VII DOMINGO DO TEMPO COMUM (Lc 6, 27 – 38) coloca diante de nós a experiência do amor cristão. O mundo pagão e o judaísmo do tempo de Jesus não conheciam um mandamento positivo de amor para com os inimigos: “Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28). Um ensinamento análogo já se encontrava, esporadicamente, no helenismo estóico, no judaísmo helenista, no ensinamento rabínico, muito embora não se chegue a mandar positivamente o amor para com o inimigo. As palavras de Jesus, neste assunto, representam, historicamente, o primeiro caso em que a ideia de amor para com o inimigo se torna norma bem clara para uma comunidade – aquela dos discípulos de Jesus.

Mesmo que este ensinamento seja presente nos filões culturais da época, Jesus sublinha o amor para com os inimigos (a insistência sobre conceitos expressos pelos verbos: “odeiam, maldizem, caluniam”). Esta expressão vai entendida não no sentido de um inimigo pessoal, mas de qualquer inimigo, também os pecadores, os pagãos (bom samaritano em Lc 10,30-37), até o perseguidor da comunidade. Isto não por interesse, mas por uma gratuita sintonia com a ilimitada misericórdia de Deus (Lc 6,36).

O discípulo é exortado a atitudes que vão muito além, e até mesmo estão em contraposição à mentalidade do mundo: “se amais os que vos amam, que graça alcançais? Pois até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam” (Lc 6, 32). É a mentalidade de Deus, a lógica de Deus que deve guiar a vida, a conduta e as atitudes do discípulo.  É a lógica do Pai do céu que norteia o discípulo: “sereis filhos do Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e maus” (Lc 6, 35).  A recompensa que o discípulo deve esperar é a do Pai eterno, a recompensa no céu. Numa sociedade imediatista, onde são os interesses que pautam as relações, o discípulo de Jesus Cristo, o cristão deve ser alguém que vive na terra, mas tem a cabeça no céu, tem os critérios de Deus nas pequenas e grandes decisões e atitudes do dia a dia.

Este mandamento de Jesus nos ajuda a refletir sobre o amor, a entrar na lógica nova trazida por Jesus. O termo usado aqui para indicar amor é o ágape (agapate), isto é, o amor na sua gratuidade. O ágape designa essencialmente o amor na sua fonte, em Deus. O amor ágape é o amor de Deus, é o amor na sua gratuidade, sem interesse. É o amor com o qual Deus nos ama e que o ser humano vive, experimenta e participa mediante o dom do Espírito (Rm 5, 5).

É no Espírito de Deus que o ser humano também pode amar na sua gratuidade, pode amar até os inimigos. O amor ágape nos coloca numa lógica nova, livrando-nos dos interesses e da lógica do mercado. É o agir e fazer por pura gratuidade imitando a gratuidade de Deus, que também é bom para com os ingratos e maus. Que o encontro com este Evangelho nos ajude a crescer no caminho de um amor verdadeiramente gratuito.

Bom dia... 19/02/2022

 


sábado, 12 de fevereiro de 2022

Reflexão para o 6º Domingo do Tempo Comum - 13/02/2022

Pe. Cesar Augusto, SJ - Vatican News

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 vida, muitas vezes, nos prega peças! Esperamos coisas espetaculares para a solução de questões difíceis para os mortais, só que quando entra Deus no meio do processo, as soluções são simples e altamente discretas. Deus não precisa agir de modo fantástico e na maioria das vezes só percebemos sua ação divina, tempos depois, quando o mal ou a perturbação já não existe.

Essa é a história contada no Segundo Livro dos Reis, cuja perícope 5, 9 -14, é nossa primeira leitura. Naamã, homem importante de outro reino, com outra religião e adorando deuses criados pelos homens, foi acometido por uma doença praticamente incurável naquela época, a lepra. Uma de suas servas, capturada em Israel, vendo a situação dele, disse à sua patroa que existia um grande profeta na Samaria e que bastaria seu senhor se apresentar ao homem de Deus para que ficasse curado. Informado desse diálogo, o rei de Naamã o enviou ao rei de Israel, com uma carta onde pedia a cura do chefe de seu exército, além de inúmeros presentes. O rei israelita reenvia seu hóspede ao profeta Eliseu, que dispensando os protocolos e uma cena grandiosa de cura, mas agindo apenas como homem de Deus, manda a Naamã o recado para se banhar sete vezes no rio Jordão.

O prócer, indignado com a atitude do profeta, decidiu dar meia volta e retornar para sua terra, dizendo que lá havia rios melhores que todas as águas de Israel. Mais uma vez, a piedade e comiseração dos servos em relação ao seu senhor se faz presente e eles pedem que Naamã reconsidere sua decisão de retornar e mostram a facilidade em cumprir o que o profeta Eliseu havia recomendado. Do mesmo modo que a estima dos servos pelo seu senhor não permitiu a omissão da intervenção, a altivez de Naamã não foi tamanha a permitir uma arrogância e ele escuta os servos. Vai até ao Jordão e se banha sete vezes. Aí, de modo bastante discreto, surge a grandiosidade e onipotência de Javé, o Deus de Israel.

Naamã vai até Eliseu, faz sua profissão de fé em Javé, como Deus único e verdadeiro e pede que o Profeta aceite seus presentes, fruto da alegria e da gratidão pela cura; mas o homem de Deus os recusa, por várias vezes. Vencido, o homem importante, pede então levar um pouco da terra de Israel, para que, em seu país, sobre a terra de Israel possa louvar e oferecer sacrifícios a Javé, o que o Profeta consente e o despede em paz.

Esse trecho nos mostra como o Deus onipotente, onisciente e onipresente dispensa o espetacular, o fantástico e age de modo muito discreto, mas age e melhor do que pedimos ou podemos imaginar.

No Evangelho, Marcos 1, 40 – 45 vemos Jesus curando um leproso e pedindo a ele que não falasse da cura para ninguém, o que evidentemente não é feito e a fama de Jesus se propaga de tal modo que passa a ter dificuldades para entrar em uma cidade. Essa dificuldade é gerada, não tanto pela multidão que “entope” os acessos, mas porque Jesus ao tocar no leproso se torna impuro, segundo a Lei, e, com isso, sua entrada na cidade fica vedada. Por outro lado, pela própria Lei, o judeu sabe que um dos sinais da presença do Messias é a cura dos leprosos; ora, ao mesmo tempo que o povo o reconheceria como Messias, o reconheceria como o Messias poderoso e libertador, “prometido pela tradição”, mas Jesus quer mostrar um Messias servo, que liberta e salva doando a própria vida. Nos planos de Jesus, sua identidade só deverá ser revelada após sua paixão, morte e ressurreição.

Concluindo, se na primeira leitura, Eliseu dispensa protocolos e age na simplicidade, em nome do Senhor, no Evangelho, Jesus age também discretamente porque deseja mostrar um libertador que apenas pensa em servir e, e se for o caso, entregando sua própria vida.

Como Naamã, o grande general estrangeiro e como o leproso curado por Jesus, aceitamos uma ação discreta de Deus e, testemunhamos que o Senhor é Grande e Poderoso e nos tornamos pessoas humildes?

Bom dia... 12/02/2022

 


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

A DIFERENÇA ENTRE ÍDOLOS E IMAGENS CATÓLICAS

Cônego Luiz Geraldo Wanderley Sarmento, Ex-Pároco da Paróquia de São Benedito, em Maceió/AL (*)

É

 importante saber que na bíblia, há uma enorme diferença entre ídolos e imagens. Deus em sua bíblia condenou os ídolos (ex. 32, 1-5), mas ao mesmo tempo mandou fazer imagens. Você acredita? Pois bem, pegue sua bíblia e leia no livro de êxodo 25, 18-22; 37, 7-9. Deus não só mandou fazer imagens de anjos, como também declarou que falaria solenemente para o povo, do meio das duas imagens de querubins (Números 7, 8-9; 2 Samuel 6,2).

Além das imagens de anjos, Ele também mandou fazer imagem de uma serpente para o povo olhar para ela (Números 21,4-9), e Jesus reconheceu o valor simbólico dessa imagem que era uma prefiguração da sua morte na cruz (João 3,14).

O templo de Deus, construído ricamente pelo rei Salomão, estava cheio de imagens de escultura e javé se manifestou nesse templo e o encheu de sua glória; (Ezequiel 41, 17-20; 43,4-6). Nesse templo havia até imagens gigantes (I Reis 6,23-35 e 2 Crônicas 3,10-14). “Tinha a serpente de bronze, querubins de ouro, grinaldas de flores, frutos, árvores, leões, etc.” (Números 21,9; êxodo 25,13; Ezequiel 1,5;10,20; I Reis 6, 1B, 23; Números 8,4).

Depois de termos todas as passagens bíblicas aqui citadas, concluímos que não é ruim termos uma imagem como recordação de um fato ou de uma pessoa a quem amamos. A propósito, até mesmo os nossos irmãos protestantes que tanto nos criticam e nos julgam injustamente têm imagens em suas casas e em suas igrejas, como: a Arca de Noé; de Moisés e o povo de Deus atravessando o Mar Vermelho; da Natureza; Matas e até da própria bíblia.

“É certo que Deus proibiu fazer ídolos, porque o povo correria o risco de adorar a deuses estranhos, como aconteceu no deserto quando o povo abandonou a Javé, fabricou e adorou um Bezerro de Ouro, como se fosse Deus”.

Precisamos, porém, entender que nossas imagens não são ídolos, mas recordações dos nossos irmãos na fé. Ídolo é aquilo que toma o lugar de Deus. Assim, os maiores ídolos de hoje são: o poder, o prazer, as riquezas… quando causam injustiças, exploração, corrupção e morte.

É bom que fique bem claro que nós católicos não adoramos a nenhuma imagem, nenhum objeto e nenhuma pessoa humana, pois a igreja nunca ensinou nem mandou adorar a quem quer que seja; mas sempre ensinou em sua doutrina que devemos adorar unicamente a Deus, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo. “A honra devolvida nas santas imagens é uma veneração respeitosa, não uma adoração. Pois, esta convém

 (*) Cônego Luiz Geraldo Wanderley Sarmento, mais conhecido como “Padre Sarmento”, que por 64 anos, foi pároco da Igreja de São Benedito, no Centro de Maceió, faleceu em 26 de maio de 2013, aos 97 anos.

Bom dia... 09/02/2022

 


sábado, 5 de fevereiro de 2022

Reflexão Litúrgica do V Domingo do Tempo Comum - 06/02/2022

 

Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de Brasília

AFASTA-TE DE MIM, SENHOR, PORQUE SOU PECADOR

A

 Palavra de Deus, neste domingo, coloca diante de nós a vocação de Isaías (Is 6, 1-2. 3-8), a vocação de Pedro (Lc 5, 1-11) e o credo primitivo sobre a ressurreição (1Cor 15, 1-11). Nas duas narrativas de vocação estão a consciência da situação humana diante da grandeza do mistério de Deus. É a experiência que o homem bíblico tem diante do mistério de Deus, mistério transcendente e glorioso, tremendum et fascinans. Tremendo porque é santidade, absoluta superioridade e inacessibilidade.  Fascinante porque o mistério atrai e a criatura humana sente a necessidade de aproximar-se. (M. GRILLI, Sulla via dell`Incontro, 61). Mas o Deus que Se revela no Antigo Testamento e em Jesus de Nazaré vai além, pois é Ele quem desce e vem ao encontro da criatura humana. É Ele mesmo que, em Jesus de Nazaré, torna-Se um de nós, que Se aproxima dos mais perdidos da sociedade para salvar-nos. Deus rompe a oposição entre Sua glória e santidade e o pecado humano, vindo Ele mesmo ao encontro do homem para salvá-lo e o libertar.

Isaías, no templo, faz uma profunda experiência da beleza do mistério de Deus. A beleza de Deus fascina o ser humano. Ela, num primeiro momento causa medo, mas, ao mesmo tempo, fascina o coração, pois o ser humano foi criado para a beleza. E a beleza de Deus não elimina a feiúra da vida humana, mas a salva, pois a acolhe, a encontra lá onde ela está. A beleza de Deus é a beleza do amor, que só pode amar. O amor não pode deixar de amar.

Pedro faz a mesma experiência.  Já tinha trabalhado a noite inteira. Agora há uma Palavra nova: “Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Tinham trabalhado a noite inteira e não tinham apanhado nada. Mas em atenção à Palavra de Jesus, lançam as redes. Apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Somos sempre convidados a pescar com Jesus, obedecendo à Palavra de Jesus. Quando fazemos as coisas humanamente, às vezes nos deparamos com o insucesso. Mas quando escutamos a Palavra de Jesus e fazemos obedecendo à Sua palavra, a pesca será sempre abundante. Assim deve ser na vida da Igreja, na caminhada de nossas comunidades e na nossa vida pessoal: fazer sempre ouvindo e obedecendo a Palavra de Jesus, fazer com Jesus no nosso barco.

Depois do sucesso da pesca, diante daquilo que o Senhor fizera, Pedro se dá conta da sua realidade de ser um homem pecador: “Senhor afasta-te de mim, porque sou um pecador”. Isaías tem a mesma experiência no templo: “… sou apenas um homem de lábios impuros”. Mas Jesus quer transformar aquele pescador de peixes em pescador de homens: “Não tenhas medo! De agora em diante serás pescador de homens”.  Pedro, entretanto, deve vencer o medo. O medo é aquilo que nos aprisiona e nos impede de perceber que Aquele que nos chama vence a nossa incapacidade, a nossa limitação, o nosso pecado. Quando ficamos olhando demasiadamente para nós mesmos, para a argila da qual somos feitos, deixamos de realizar grandes coisas, pois a confiança é colocada nas nossas pobres forças que são incapazes, não no poder da graça de Deus que, mesmo com instrumentos inadequados, realiza grandes obras.

Que a força da ressurreição, que os discípulos experimentaram (1 Cor 15, 3-8), ajude-nos a perceber que Deus quer vencer também as nossas mortes e os nossos pecados, transformando-os em vida, em ressurreição.

Bom dia... 05/02/2022