Dom Eugênio Sales (in memoriam)
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em dúvida, a valorização do leigo na vida eclesial foi uma das mais
importantes contribuições do Concílio Vaticano II à vida religiosa. O documento
"Apostolicam Actuositatem" foi aprovado na oitava sessão, em 18 de
novembro de 1965. Abriu grandes perspectivas, possibilitando maior e benéfica
atuação do laicato. Entre inúmeras atividades e novos campos de trabalho, estão
as pequenas comunidades de base. Nelas, o fiel, fundamentado na leitura e
reflexão da Palavra de Deus, aperfeiçoa sua missão, decorrente do Batismo, da
Confirmação e de contato mais vivo, frutuoso com os irmãos, pela facilidade de
estabelecerem relações entre grupos menores. O anonimato dos maiores
aglomerados, mesmo dentro de um mesmo templo e paróquia, cede espaço ao
acolhimento e mútuo conhecimento. Disse o Santo Padre João Paulo II, em sua Exortação
Pós-Sinodal "Igreja na América" (nº 41): "A paróquia é um
lugar privilegiado (...) Por Isso, é oportuna a formação de comunidades e de
grupos eclesiais de tal dimensão, que permitam estabelecer verdadeiras relações
humanas".
Esses novos horizontes que foram
criados, devem ser constantemente conferidos com a doutrina. As interpretações
pessoais, particulares, mesmo oriundas de cristãos zelosos e de elevado nível,
sempre estão sujeitas ao Magistério vivo, deixado por Cristo, para governar a
obra que fundou. O entusiasmo pelo novo, a descoberta de outros horizontes,
pode ser destrutivo quando insinua edificar uma Igreja sem claro reconhecimento
da hierarquia.
Ela é a expressão da estrutura divina da Igreja. Jesus Cristo, como
homem, embora sendo Senhor, vive sob o olhar do Pai; quer fazer sempre a
vontade de quem O enviou: "Pai, se é de teu agrado (...) Não se faça,
todavia, a minha vontade, mas sim a tua" (Lc 22,42). Seu
último testemunho é a entrega obediente, aceitando a Cruz. Ele quer que sua
obra seja o exemplo que nos legou. Devemos ser testemunhas do Senhor Jesus, no
Espírito Santo (cfr Jo 15, 26s). Fiel a essa exigência, São Paulo
assim se expressa: "Sede meus imitadores, como eu mesmo o sou de
Cristo" (1 Cor 11,1).
Essa estrutura hierárquica estabelecida
por Cristo, como fundamento de sua Igreja, não se confunde com o conceito
monárquico nem democrático. Qualquer paradigma sociopolítico é inadequado. A
autoridade da mesma não é fundada na convergência da vontade popular. Esta
merece apreço, mas não se torna, por si mesma, sinal de veracidade ou exigência
a ser cumprida.
Acresce que a expressão "Povo de
Deus" não é a única imagem a revelar a essência da instituição fundada por
Jesus. Há diversas outras, de igual valor, que se completam para nos mostrar a
riqueza do ensinamento divino. Ver a Igreja como Corpo Místico de Cristo é
fundamental para entendê-la e nos ajuda a obedecer aos que foram chamados a
governar esse mesmo Povo de Deus. Jesus a comparou a um rebanho com o pastor.
Ela é um serviço à comunidade. Trata-se da presença amorosa do Divino Redentor.
Conserva essa característica mesmo quando corrige ou pune. Isto, quando assim o
exige o bem comum ou o proveito do próprio fiel. São Paulo, que tanto exalta a
santidade dos leigos pela habitação do Espírito Santo, com não menor clareza
propõe e impõe o dever que o Senhor lhe deu: "Em nome de Cristo, exercemos
a função de embaixadores e, por nosso intermédio, é Deus mesmo que vos
exorta" (2 Cor 5,20). No uso dessa autoridade, o Apóstolo
chega a excluir alguém da comunidade dos fiéis (Cfr 1 Cor 5,2-12): O
Sacerdócio ministerial , em nome e com o poder de Jesus Cristo, recebeu o
encargo de "formar e reger o Povo de Deus" ("Lumen
Gentium" 10,2).
O cristão batizado que recebeu o
sacramento da Ordem desde que viva em comunhão com o Papa, Sucessor de Pedro, e
o Colégio Episcopal, continuador dos Apóstolos dá à comunidade a chancela de
autenticidade cristã. E leva ao Povo de Deus a graça divina, pelos sacramentos.
Seus gestos e palavras sacramentais são realmente poder redentor de Cristo no
meio do povo.
À luz dessa doutrina católica o
verdadeiro fiel proclama a importância do leigo e das organizações laicais. Ela
em nada diminui a vitalidade e o valor dos mesmos, pois somente pela inserção
na árvore que é Cristo, poderá produzir frutos duradouros. Nós queremos a
Igreja conforme Jesus a organizou e não segundo o parecer e interpretações dos
homens. Todo ensino discordante do que vem do Senhor através do Magistério,
deve ser corrigido. Calar-se diante dele é atraiçoar a missão confiada por
Jesus aos pastores de seu rebanho. As afirmações, mesmo parcialmente inexatas
são, talvez, mais danosas que o próprio erro integral, pela facilidade de serem
aceitas, acobertadas em parcelas de verdade. Assim, cita-se o Concílio Ecumênico,
mas seu espírito, nos pontos essenciais, é abandonado. Insinua-se, sob o título
"Uma Igreja, Povo de Deus", sem uma autêntica hierarquia.
Ao proclamar o valor dado hoje ao
laicato, que deve ser firmemente aceito e vivido, não devemos esquecer que, em
nossos dias, não lhes foi outorgado algo de novo, pois sempre na Igreja o leigo
ocupou espaço. Sua participação, isto sim, teve incentivada sua importância nos
desafios dos nossos tempos. O mesmo se diga da posição da Bíblia no crescimento
da vida de cada fiel.
Para nós, católicos, há um ponto de
referência que nos assegura o caminho certo: estar em comunhão com o
Magistério, obedecer às diretrizes do sucessor daquele a quem Cristo confiou a
sua Igreja: "Pedro (...) apascenta minhas ovelhas" (Jo 21,17).
DOM EUGÊNIO SALES foi um cardeal brasileiro e arcebispo católico do Rio de Janeiro. Nasceu em 8 de novembro de 1920 e faleceu em 9 de julho de 2012.
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