“O humilde não tem medo de errar”
Dom Rafael Llano
Cifuentes
Arcebispo
Emérito de Nova Friburgo (RJ)
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se reconhece e se aceita, quem é humilde, não tem medo de errar. Por quê?
Porque se, depois de ponderar, prudentemente, a sua decisão, ainda cometer um
erro, isso não o surpreenderá, pois sabe que é próprio da sua condição
limitada. São Francisco de Sales dizia de uma forma muito expressiva: “Por que
se surpreender que a miséria seja miserável?”.
Lembro-me
ainda daquele dia em que subia a encosta da Perdizes, lá em São Paulo, para dar
a minha primeira aula na Faculdade Paulista de Direito, da PUC (Pontifícia
Universidade Católica). Ia virando e revirando as matérias, repetindo conceitos
e ideias. Estava nervoso; não sabia que impressão causariam as minhas palavras
naqueles alunos de rosto desconhecido. E se me fizessem alguma pergunta a qual
eu não saberia responder? E se, no meio da exposição, eu esquecesse a sequência
de ideias?
Entrei
na sala de aula tenso, com um sorriso artificial. Comecei a falar. Estava
excessivamente pendente do que dizia, nem olhava para a cara dos alunos. Falei
quarenta e cinco minutos seguidos sem interrupção, sem consultar uma nota
sequer.
Percebi,
porém, um certo distanciamento da “turma”, um certo respeito. Um rapaz, muito
comunicativo e inteligente, talvez para superar a distância criada entre o
grupo e o professor, aproximou-se e me cumprimentou: “Parabéns, professor. Que
memória! Não consultou, em nenhum momento, os seus apontamentos. Foi muito
interessante!"
Assista
também: "O Senhor está do meu lado", com padre José Augusto
Respirei,
mas, desconfiado, quis saber: "Você entendeu o que eu disse?"
Admirou-se com a minha pergunta; não a esperava. Sorrindo, encabulado,
confessou-me: "Entendi muito pouco, e, pelo que pude observar, a 'turma'
entendeu menos ainda".
A
lição estava clara: "Dei a aula para mim e não para eles. Dei a aula para
demonstrar que estava capacitado, mas não para ensinar”. Faltara descontração,
didática, empatia; não fizera nenhuma pausa, nenhuma pergunta. Fora tudo
academicamente perfeito, como um belo cadáver. Fora um fracasso.
Lembro-me
também que, quando descia aquela encosta, fiz o propósito de tentar ser mais
humilde, de preparar um esquema mais simples, de perder o medo de errar, esse
medo que me deixara tão tenso e tão cansado; de pensar mais nos meus alunos e
menos na imagem que eles pudessem fazer de mim. E se me fizessem uma pergunta a
qual não soubesse responder, o que diria? Pois bem, diria a verdade, que
precisava estudar a questão com mais calma e, na próxima aula, lhes
responderia. Tão simples assim.
Que
tranquilidade a minha ao subir a encosta no dia seguinte! E que agradecimento
dos alunos ao verem a minha atitude mais solta, mais desinibida, mais
simpática! Uma lição que tive de reaprender muitas vezes ao longo da minha vida
de professor e de sacerdote: a simplicidade, a transparência e a espontaneidade
são o melhor remédio para a tensão e a timidez e o recurso mais eficaz para que
as nossas palavras e os nossos desejos de fazer o bem tenham eco.
Não
olhemos as pupilas alheias como se fossem um espelho, no qual se reflete a
nossa própria imagem; não estejamos pendentes da resposta que esse espelho
possa dar às perguntas que a nossa vaidade formula continuamente: "O que é
que você pensa de mim? Gostou da colocação que fiz?" Tudo isso é
raquítico, decadente, cheira ao mofo do próprio "eu", imobiliza e
retrai, inibe e tranca a espontaneidade. Percamos o medo de errar e erraremos
menos.
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