Helio Amorim
MFC/RJ
A
sociedade humana evolui e se transforma com velocidade crescente em sua
cultura, costumes, comportamentos e visão de mundo. No passado, bem menos de um
século, não era assim. Os mais velhos eram ouvidos pelos mais jovens,
respeitados por sua experiência de vida. Transmitiam aos que chegavam ao
cenário da vida adulta os valores humanos, familiares, sociais e religiosos
tradicionais, considerados imutáveis. As relações de jovens e adolescentes com
seus pais e avós eram de curiosidade e aprendizagem, as influências externas
ativas, mas limitadas. As crianças e os jovens pediam a bênção aos seus pais.
O
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rádio, ruidoso e às vezes mudo, já
representava uma primeira ruptura nesse universo restrito de relações internas
nas famílias. Era o mundo chegando às nossas casas, por via eletrônica
insipiente, sem passar pelo crivo da escola ou das igrejas. O cinema já
progredia e mostrava o mundo antes distante. Durante a Segunda Guerra as
famílias já acompanhavam os horrores vividos no velho mundo, colorindo mapas
com as notícias dos avanços nazistas e depois do dia-D a invasão aliada até a
rendição.
A partir
desse momento histórico de restauração da paz num cenário de destruição e
mortes, os avanços tecnológicos acelerados para atender às demandas militares
foram reorientados para a paz no pós-guerra. As casas foram invadidas pela
televisão que ampliou o alcance do rádio e do cinema como formadores de nova
cultura nas relações familiares. As ciências humanas dispararam, abalaram
valores tradicionais e romperam os limites das crenças e dos catecismos.
A tensão
cresceu nas relações dos mais velhos com os jovens nascidos nesse novo cenário
de quebra de paradigmas culturais e religiosos que a partir de então foi se
agudizando até rupturas irreversíveis.
O diálogo
entre gerações ficou mais complexo, com seguidos conflitos e acordos, aos
poucos redesenhando novos modelos de relações familiares. As Igrejas foram
também desafiadas a rever suas doutrinas sobre a família, para acolher e
responder aos desafios da modernidade questionadora.
Essa
constatação das profundas mudanças na sociedade moderna ativadas pelos avanços
científicos e tecnológicos deveria induzir a mais humildade dos formuladores
das doutrinas e pastorais, com maior abertura à novidade que surge dos estudos
dos teólogos e as interpelações dos cristãos leigos adultos que as questionam.
É desses confrontos fraternos e construtivos que lentamente emerge a verdade,
purifica-se a doutrina, humaniza-se a Igreja.
UM SÍNODO SOBRE A FAMÍLIA
A postura
repressora do passado ainda se abate sobre teólogos e leigos que contestam
questões mal resolvidas na vida da Igreja, interferindo nas relações
familiares. Mas começam a ser reavaliadas pelo povo de Deus, provocado
saudavelmente por uma consulta inédita do papa Francisco aos leigos de todo o
mundo, na preparação do sínodo dos bispos sobre a família, neste ano.
Na pauta,
dentre outras questões, o celibato forçado dos sacerdotes, o impedimento do
casamento religioso e à participação na Eucaristia de divorciados que voltam a se
casar, o reconhecimento da sacramentalidade da sua união, as uniões
homoafetivas, com adoção de filhos, e outras questões antes fechadas, sequer
admitindo discussões, não obstante a inconsistência das bases teológicas que as
sustentavam.
Estamos
assim, no patamar de novos tempos nas relações intrafamiliares e sociais,
abertos ao muito que seguirá mudando nos próximos anos e décadas,
permitindo-nos relativizar as "certezas" que hoje ainda se impõem. É
claro que tudo o que se refere ao amor e à justiça, à humanização e à esperança
cristã, à caridade e à solidariedade humana, permanecerá como essência da
mensagem evangélica nas relações humanas, intrafamiliares e sociais.
O resto é
dinâmico e evolutivo, criações humanas sob influxo da cultura, entendimentos
provisórios, sujeitos a revisões em vista do avanço das ciências e da reflexão
teológica que nenhum autoritarismo impedirá.
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