Dom Alberto Taveira Corrêa |
Dom Alberto Taveira
Corrêa
“Preparar tudo bem é necessário, mas sem jamais cair na tentação
de querer encerrar e pilotar a liberdade do Espírito Santo.”
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os últimos dias do ano que se encerrou,
muitas empresas entraram em balanço, algumas até fechando as portas por um
período, com levantamento de seu movimento nos meses precedentes. Cabe depois
planejar o novo ano de trabalho, com os necessários detalhes que lhes
possibilitem continuar suas atividades. A Igreja não é uma empresa no sentido
corrente da palavra e no entanto está sempre “aberta para balanço”. Nunca fecha
suas portas e está sempre pronta a avaliar seu caminho percorrido, verificar
sua situação atual e planejar os passos a serem dados. Ao iniciar-se um novo
ano, a Igreja quer oferecer-nos elementos para um caminho seguro, a ser
percorrido com a luz da fé que nunca falha.
Há poucos dias o Papa Francisco convidou seus
colaboradores a uma corajosa revisão de vida, identificando quinze
“enfermidades” que podem existir nos ambientes de trabalho da própria Igreja e
ao mesmo tempo abrindo horizontes para que outras pessoas e grupos reconheçam
suas falhas e olhem para frente, deixando-se curar. Na ocasião, o Papa
pronunciou palavras que estimulam o esforço sincero de quem quer rever sua vida
e dar novos passos, conduzido pela graça: “É o Espírito Santo que sustenta todo
esforço sincero de purificação e toda boa vontade de conversão. É ele que nos
faz compreender que todo membro participa da santificação do corpo ou do seu
enfraquecimento. É ele o promotor da harmonia: ‘Ele mesmo é a harmonia’, diz
São Basílio. Santo Agostinho nos diz: ‘Enquanto uma parte aderir ao corpo, a
sua cura não é desesperada; mas o que foi cortado não pode nem curar-se nem
sarar’. O restabelecimento é também
fruto da consciência da doença e da decisão pessoal e comunitária de tratar-se,
suportando pacientemente e com perseverança a terapia. Somos chamados,
portanto a viver “pela prática sincera da caridade, crescendo em todos os
sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. É por ele que todo o corpo –
coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um
conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando à sua
plena edificação na caridade” (Ef 4,15-16).
No entanto, toda revisão é capaz de ver
também o que existe de positivo. Olhamos para o passado com gratidão e
reconhecimento, identificando as muitas graças que nos foram oferecidas por
Deus. Os cristãos são chamados a serem o povo da memória, certos das maravilhas
operadas pelo Senhor, repetindo com alegria “Até aqui o Senhor nos ajudou” (1
Sm 7,12). Olhar para trás e reconhecer o
bem que foi feito por nós e pelas outras pessoas é humanamente saudável e
coerente com a nossa vida cristã. A edificação recíproca de quem valoriza
os passos dados é fundamental para crescermos como pessoas e como cristãos
autênticos.
Outro ângulo da compreensão da vida e de seu
sentido é o momento presente. Sabendo que a cada dia basta o seu cuidado, somos
convidados a viver bem cada momento, sem nos preocuparmos com o dia de amanhã,
buscando em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça, pois todas as coisas
são dadas por acréscimo (Cf. Mt 6, 33-34). Cuidar de amar a Deus e ao próximo cada
dia mais e de novo é receita de equilíbrio para todos. Ter uma visão realista
das pessoas e dos fatos, sem carregar excessivamente nas emoções, dar a devida
atenção a cada pessoa que se apresenta a nós, sem nos dissiparmos em fazer
muitas coisas, que acabam mal feitas.
Uma das “enfermidades” elencadas pelo Papa
Francisco no Discurso à Cúria Romana foi chamada de ‘martalismo’, que vem de
Marta, ou seja, diz o Papa, “daqueles que mergulham no trabalho, descuidando,
inevitavelmente, ‘a melhor parte': sentar-se aos pés de Jesus (Cf. Lc 10,
38-42). Por isto Jesus chamou os seus
discípulos a descansar um pouco (Cf. Mc 6, 31) porque descuidar do descanso
necessário leva ao estresse e à agitação. O tempo do descanso, para quem
levou a termo a sua missão, é necessário, obrigatório e deve ser lavado a
sério: no passar um pouco de tempo com os familiares e no respeitar as férias
como momentos de recarga espiritual e física; é necessário aprender o que
ensina o Livro do Eclesiastes, que ‘para tudo há um tempo'” (Ecl 3, 1-15). Para
muitas pessoas, tal recomendações são como uma canção, quando buscam um tempo
de férias no primeiro mês do ano!
Mas a Igreja quer abrir nossos olhos também
para o futuro, fazendo-nos responsáveis pelos nossos trabalhos, dedicados a
fazer o bem, homens e mulheres de esperança. Os primeiros dias do ano não nos
encontrem ávidos de adivinhações, mas prontos a fazer o bem, de acordo com a
vocação, estado de vida e possibilidades concretas na construção da sociedade.
Enxergar longe, horizonte aberto, planejamento realista do que vamos fazer
neste ano, tudo muito correto. Mas é ainda a palavra de Papa Francisco que nos
ilumina, para darmos com serenidade estes passos: “existe a doença do
planejamento excessivo e do funcionalismo. Quando se planeja tudo
minuciosamente e se pensa que, fazendo um perfeito planejamento, as coisas
efetivamente progridem, tornando-se, assim, um contador ou um comercialista. Preparar tudo bem é necessário, mas sem
jamais cair na tentação de querer encerrar e pilotar a liberdade do Espírito
Santo, que é sempre maior, mais generosa do que todo planejamento humano
(Cf. Jo 3,8). Cai-se nesta doença porque “é sempre mais fácil e cômodo
adaptar-se às suas posições estáticas e imutáveis. Na realidade, a Igreja
mostra-se fiel ao Espírito Santo na medida em que não tem a pretensão de
regulamentá-lo e de domesticá-lo… – domesticar o Espírito Santo! – … Ele é
frescor, fantasia, novidade”. Que preciosidade posta à nossa disposição
justamente nesta virada do ano!
Passado, presente e futuro, vividos com a
serenidade de quem acredita que Deus é o Senhor do Tempo! Para ajudar-nos mais
ainda, uma certeza: o tempo não é contado pelas nossas preocupações, mas
acontece quando nos ocupamos do dia a dia. Ele é contado, vale lembrar, pelo
nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, cujo aniversário de dois mil e
quatorze anos acabamos de celebrar! Encontre-se com ele cada dia em que
escrever os algarismos do ano em curso, para edificar, pouco a pouco e na graça
de Deus, os dias do ano dois mil e quinze. E se quisermos um modelo de vida
para o quotidiano do ano novo, a Igreja põe à disposição a Virgem Maria, a Mãe
de Deus.
*Dom Alberto Taveira foi Reitor
do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na
Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e
Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do
Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre
outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de
Belém - PA.
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