terça-feira, 30 de abril de 2019
segunda-feira, 29 de abril de 2019
domingo, 28 de abril de 2019
II Domingo da Páscoa – Cristo Ressuscitado na Igreja
Dom Sergio
da Rocha
Cardeal
Arcebispo de Brasília
“Daí graças ao Senhor
porque ele é bom! Eterna é a sua misericórdia”. Assim rezamos, hoje, com o
Salmo 117, continuando a expressar louvor e alegria pela Páscoa da Ressurreição
do Senhor. A Igreja nos pede que “os cinquenta dias entre o Domingo da
Ressurreição e o Domingo de Pentecostes sejam celebrados com alegria e
exultação, como se fossem um só dia de festa”.
O
|
segundo
Domingo da Páscoa é o Domingo da Divina Misericórdia. O Evangelho segundo João (Jo 20,19-31) apresenta-nos Jesus
Ressuscitado “no meio” da comunidade dos discípulos. As marcas da Paixão nas
“mãos” e no “lado” de Jesus são sinais do seu amor misericordioso manifestado
na cruz. A misericórdia divina manifesta-se também nesse encontro de Jesus
Ressuscitado com os seus discípulos, ao transmitir-lhes a paz, o dom do
Espírito e a missão de perdoar.
A narrativa joanina ressalta a comunidade como
lugar privilegiado do encontro com o Ressuscitado, como demonstra-nos o
apóstolo Tomé. Estar na Igreja, participar da Igreja reunida em oração,
permite-nos afirmar, hoje: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). A missão de Jesus continua na comunidade cristã através
dos Apóstolos, testemunhas de Jesus Ressuscitado, conforme os Atos dos
Apóstolos (At 5,12-16). Por meio
deles, os “sinais e maravilhas” do Reino de Deus chegam à “multidão de homens e
mulheres”, especialmente aos que mais sofriam. A comunidade cristã, em nossos
dias, tem também o papel de testemunhar a misericórdia divina através de gestos
concretos, com especial atenção aos enfermos e sofredores, a exemplo do que
ocorria na Igreja primitiva. Para viver em comunidade, assim como, para viver
em família, necessitamos muito da misericórdia divina e da misericórdia entre
nós, o que inclui a caridade e o perdão.
A centralidade do Ressuscitado na Igreja é
ressaltada também pelo Apocalipse de S. João. O Senhor Ressuscitado, cuja
dignidade sacerdotal é simbolizada pela longa túnica e cuja dignidade real é
representada pelo cinto de ouro, preside toda a Igreja, simbolizada pelos sete
candelabros. Ele é “aquele que vive” para sempre, tendo vencido a morte, o
fundamento de nossa fé e razão de nossa esperança.
sábado, 27 de abril de 2019
sexta-feira, 26 de abril de 2019
quinta-feira, 25 de abril de 2019
quarta-feira, 24 de abril de 2019
terça-feira, 23 de abril de 2019
segunda-feira, 22 de abril de 2019
domingo, 21 de abril de 2019
Domingo de Páscoa da Ressurreição do Senhor!
Papa Francisco
Roteiros Homiléticos da CNBB
Ano C - pág. 45-46
A
|
ressurreição de Jesus é o evento
salvífico que fundamenta a nossa fé e a nossa esperança, abrindo o caminho para
a vida nova e plena em Deus. Ela foi o ponto de partida do testemunho e da
pregação dos Apóstolos, sendo atestada na mais antiga forma da fé: Cristo
morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; que foi sepultado; e que,
ao terceiro dia, ressuscitou. As primeiras testemunhas nos ensinam a aderir a Jesus
de Nazaré com radicalidade, a descobrir em meio à escuridão e às adversidades
do mundo, os sinais da presença viva do Senhor.
A escuta atenta da Palavra, celebrada no partir do pão, na partilha solidária
proporciona experimentar a alegria da presença viva do Ressuscitado. O encontro
com o Senhor nos transforma, dá uma nova fé, e nos impulsiona ao testemunho, ao
anúncio de sua mensagem salvífica. Maria Madalena e o discípulo amado indicam o
itinerário da fé para encontrar o Senhor. “O ver, graças à sua união com o
ouvir, torna-se seguimento de Cristo; e a fé aparece como um caminho do olhar
em que os olhos se habituam a ver em plenitude.
Foi assim, na manhã da Páscoa, ainda na escuridão perante o túmulo
vazio, o discípulo amado “viu, e acreditou”. Maria Madalena, que já vê Jesus, é
convidada a contemplá-Lo no seu caminho para o Pai, até a plena confissão
diante dos discípulos: “Eu vi o Senhor!” Também para nós existem muitos sinais
em que o Ressuscitado se faz reconhecer: a Sagrada Escritura, a Eucaristia, os
outros Sacramentos, a caridade, os gestos de amor que trazem um raio de luz do
Ressuscitado.
Deixemo-nos iluminar pela ressurreição de Cristo, deixemo-nos
transformar pela sua força, para que também através de nós, no mundo, os sinais
de morte deixem o lugar aos sinais de vida. Levai em frente esta certeza: o
Senhor está vivo e caminha ao nosso lado na vida. Esta é a vossa missão! Levai
em frente esta esperança.
Permanecei alicerçados nesta esperança, nesta âncora que está no Céu;
segurai com força a corda, permanecei ancorados e levai em frente a esperança.
Vós, testemunhas de Jesus, deveis levar em frente o testemunho que Jesus está
vivo, e isto dar-nos-á esperança, dará esperança a este mundo um pouco
envelhecido devido às guerras, a violência, a intolerância, ao mal e ao pecado.
Alegrai-vos e exultai, porque o Senhor Jesus Ressuscitou! Deixai-vos iluminar e
transformar pela força da Ressurreição de Cristo, a fim de que as vossas
existências se tornem um testemunho da vida que é mais forte que o pecado e a
morte.
sábado, 20 de abril de 2019
sexta-feira, 19 de abril de 2019
O sentido da condenação e morte de Jesus
Pe. Paulo César Nodari
O projeto de Jesus se completa na sua morte, sinal de amor até o fim.
Mesmo diante da dor extrema, Jesus não se desvia do desígnio do Reino de Deus.
Ele assume a cruz com liberdade e revela seu amor incondicional por nós. Pelo
seu sangue é selada a nova aliança e são desmascaradas as artimanhas da mentira
e do poder opressor que se opõe ao Reino de Deus. A cruz, que significava
destruição, torna-se reconstrução da condição humana.
P
|
ara compreender o
tema em sua amplitude, “condenação e morte de Jesus”, é preciso
ter, diante dos olhos, alguns aspectos que por ora se podem denominar
introdutórios, os quais, nesta reflexão, não têm o sentido de ser preliminares,
mas, antes, exigência para a compreensão mais abrangente das razões da
“condenação e morte de Jesus”.
Jesus é o dom
gratuito do Pai
Sendo de condição
divina, Jesus Cristo fez-se totalmente humano, esvaziou-se da condição divina
para viver conosco (Fl 2,6-8). Deus revela-se como Deus muito humano. Nada do
que é humano é indiferente a Deus. A grande Revelação de Deus é a humanidade. A
humanidade de Jesus marca definitivamente a abertura e o acesso à vida de Deus.
Agora, o encontro com Deus se dá não necessariamente no Templo, mas em Jesus
Cristo. “Ninguém vai ao Pai senão por mim”, diz Jesus (Jo 14,6). Deus se faz
carne e vem habitar entre nós. Jesus Cristo se faz humano e servidor,
manifestação da graça de Deus. O Pai vem ao encontro da humanidade pelo seu
Filho e convoca todos para o seguimento de seu Filho, Jesus Cristo, a partir do
anúncio e concretização do Reino de Deus. Por meio de sua pessoa e seu
testemunho, Jesus é a irrupção do Reino de Deus em palavras e ações, nas
dimensões do dom e tarefa, na perspectiva do “já” e “ainda-não”. O presente
inaugura a plenitude de salvação futura, e o futuro penetra e esclarece o
presente como tempo de decisão para alcançá-lo por meio da libertação dos males
que oprimem os seres humanos.
Jesus vem em nome
do Pai para fazer a vontade do Pai
Em Jesus Cristo se
dá a irrupção do Reino de Deus. É o divino que invade a história. Jesus não
prega a si mesmo, mas algo distinto de si mesmo, o Reino de Deus. Jesus foi
fiel servidor do Reino. Ele é “servo de Deus”. Toda a sua vida deve ser
compreendida à luz do Reino e este, por sua vez, só pode ser compreendido à luz
da entrega total de Jesus. Em Jesus, portanto, revela-se um Deus descentralizado.
Ou seja, tem-se a manifestação de um Deus que vive para fora, isto é,
totalmente para o outro. Jesus apresenta-se como radicalmente livre das leis
opressoras da época e aponta para o caminho da liberdade, tendo o Reino de Deus
como o centro de sua pregação e de sua vida. “O tema do ‘Reino de Deus’ penetra
toda a pregação de Jesus. Só podemos compreendê-lo a partir da totalidade da
sua pregação” (RATZINGER, 2007, p. 70). É o ponto-chave de compreensão de toda
a vida do Filho, dando sentido à missão histórica de Jesus e concretizando-a.
Ele assume, na força e presença do Espírito Santo, a radicalidade da pregação
do Reino de Deus, pois ele não veio pregar a si mesmo, mas o Reino de Deus,
sendo-lhe dadas pelo Espírito Santo energia e autoridade na pregação. No
entanto, a sua autoridade não está de acordo com os moldes das autoridades
humanas, pois gera conflitos não somente com seus inimigos e adversários, mas
também com seus conterrâneos. É autoridade que vem à tona por conta própria, ou
seja, impõe-se por si própria. Impõe-se pela verdade. Se a presença do Espírito
Santo faz Jesus ser fiel ao Reino de Deus, então, para conhecer Jesus, é
preciso fazer a experiência que ele faz do Espírito Santo, pois nele o Espírito
Santo desceu, permaneceu, habitou, repousou em plenitude e encontrou-se à
vontade como se estivesse em sua própria casa.
Jesus foi fiel à
sua opção pelo Reino até o fim
Em Jesus Cristo,
Deus se revela plenamente. Assim, não se pode compreender Jesus sem a
perspectiva do Reino de Deus, nem o Reino de Deus sem Jesus Cristo. O Reino de
Deus revela não só a pessoa de Jesus, que é a personificação do Reino, mas
revela também em Jesus a face de Deus. O Deus de Jesus Cristo é o Deus do
Reino. O projeto de vida de Jesus é o anúncio do Reino, dom de Deus que vem ao
nosso encontro, porque somos pecadores e imperfeitos. “O tempo já se cumpriu, e
o Reino de Deus está próximo. Convertam-se e acreditem na Boa Notícia” (Mt
1,15). Jesus resgata a linha mestra dos profetas e estabelece o núcleo em torno
da justiça e da vida. “O Espírito Santo está sobre mim, porque ele me consagrou
com unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a
libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os
oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19).
Jesus atua como
servo (Fl 2,7). Ele testemunha e proclama com fidelidade o Reino. Mostra-o
presente por meio de sinais, prodígios e milagres, que não revelam um Jesus
“milagreiro”. Eles são sinais concretos que revelam a chegada do Reino de Deus.
Evangeliza os pobres e se faz pobre com eles. Jesus quer garantir a vida aos
que são incapazes de garanti-la por si mesmos e põem toda a força em Deus.
Assim, o Reino de Deus é dos pobres não por privilégio, mas porque é o modo
próprio de “ser de Deus”. Toda ação de Jesus é a promoção da solidariedade
entre os homens e mulheres, denunciando as estruturas de morte e anunciando a
vida que está nele. Jesus anuncia a prática do amor como dimensão
protagonizante do Reino de Deus. O serviço de Jesus ao Reino se dá no amor que
leva à vida e à comunhão de tudo e de todos em Deus. Sendo assim, por meio de
seu sangue, assumido e derramado com liberdade na cruz, Jesus selou a
definitiva aliança de amor.
O Filho do homem
veio para dar a sua vida em resgate de muitos
Jesus não morrera,
mas fora morto, tornando-se, assim, mártir, isto é, testemunha fiel da sua
missão como resposta ao desejo de Deus. Jesus dá sua vida, gasta sua vida pelo
Reino de Deus, porque é o Filho amado, o Predileto, o Eleito, o Primogênito, o
Unigênito, o Enviado, o Administrador plenipotenciário do Pai. Tudo foi
entregue às mãos do Filho pelo Pai. O Pai entrega ao Filho a missão do Reino. O
Pai confia plenamente no Filho. Tem fé no Filho. Nele o Pai tem todo o seu benquerer.
Assim, se o Pai tem fé no Filho, então a fé filial advém da fé paternal. O
Filho torna-se companheiro, filho, adulto, amigo. O Filho adere à fé do Pai.
Ele aprende a obediência por meio de seus sofrimentos, obediência esta não
disciplinar, mas profética. O Pai dá ao Filho a grandeza de revelar o seu amor
por toda a humanidade. Então, diz Jesus: “Quem vê o Filho, vê o Pai. Ninguém
conhece o Pai senão o Filho e aqueles a quem o Filho der a conhecer” (Jo
14,1-6). O Filho é o revelador do Pai e o Pai é o revelador do Filho. “Meu Pai
é vosso Pai e meu Deus é vosso Deus.” Assim, o caminho para o encontro com Deus
é seu Filho, isto é, sua condição humana. Já não é preciso, por conseguinte,
sair da condição humana para encontrar Deus. Para conhecer Deus, precisa-se
conhecer o Filho. Portanto, se Deus se revela no Filho, então Deus, em Jesus
Cristo, primeiro se revela como irmão e somente depois se revela como Pai. O
encontro com o Pai se dá, pois, no Filho.
A CONDENAÇÃO E
MORTE DE JESUS
A oração de Jesus
Na oração de Jesus
no monte das Oliveiras, Jesus fala com o Pai. Percebe-se na oração de Jesus,
primeiro, a experiência primitiva do medo, depois a turvação diante do poder da
morte e, também, o pavor perante o abismo do nada, que o faz tremer, ou melhor,
suar gotas de sangue (cf. Lc 22,44). Aquele que é vida sente advir sobre si
todo o poder de destruição. Em Jesus vê-se o duelo entre luz e trevas, vida e
morte. Manifesta-se não apenas uma angústia, mas o verdadeiro drama da escolha
que caracteriza a vida humana. “Precisamente porque é o Filho, vê com extrema
clareza toda a amplitude da maré imunda do mal, todo o poder da mentira e da
soberba, toda a astúcia e atrocidade do mal, que se apresenta como a máscara da
vida, mas serve continuamente à destruição do ser, à deturpação e ao
aniquilamento da vida” (RATZINGER, 2011, p. 145). A cruz da obediência livre e
fiel marca a passagem da vontade do Filho à vontade do Pai:
Assim, a oração
“não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22,44) é verdadeiramente uma
oração do Filho ao Pai, na qual a vontade humana natural foi totalmente
arrastada para dentro do eu do Filho, cuja essência se exprime precisamente no
“não Eu, mas no Tu”, no abandono total do Eu ao Tu de Deus Pai. Mas este “Eu”
acolheu em Si a oposição da humanidade e transformou-a, de tal modo que, agora,
na obediência do Filho, estamos presentes todos nós, somos todos arrastados
para dentro da condição de filhos. (RATZINGER, 2011, p. 150).
A condenação de
Jesus
Jesus é condenado,
fundamentalmente, porque atingiu o centro da vida do Templo. A aristocracia do
Templo exerce uma liderança sobressalente na condenação de Jesus. O sumo
sacerdote que se destaca é Caifás. Os sumos sacerdotes mantinham-se no poder à
medida que faziam a vontade de Roma e buscavam manter a ordem. Jesus, com seu
gesto no Templo, tumultua a ordem estabelecida. Ele se torna um perigo. “Sua
atuação contra o templo é uma ameaça à ordem pública suficientemente
preocupante para entregá-lo ao prefeito romano” (PAGOLA, 2011, p. 454). Jesus
atreveu-se a desafiar publicamente o sistema do Templo. A ordem pública está em
perigo. Não há perigo ao poder do império romano, pois o Reino anunciado por
Jesus não é de violência e não dispõe de legião alguma. E, por sua vez, a
essência do Reino de Deus é o testemunho da verdade e não o poder. A verdade do
Reino de Deus desmascara a promiscuidade entre poder e mentira, a busca de
poder e prestígio em nome de Deus que havia na época. O Reino de Deus, pelo
contrário, alicerça-se na verdade. Com Jesus, aparece a verdade como essência
do Reino de Deus. “O mundo é ‘verdadeiro’ na medida em que reflete Deus, o
sentido da criação, a Razão eterna donde brotou. E torna-se tanto mais
verdadeiro quanto mais se aproxima de Deus. O homem torna-se verdadeiro,
torna-se ele mesmo quando se conforma a Deus” (RATZINGER, 2011, p. 176). Para
Jesus, “dar testemunho da verdade” significa realçar a vontade de Deus diante
dos interesses do mundo e das potências do mundo:
A razão de fundo é clara.
O reino de Deus defendido por Jesus põe em questão ao mesmo tempo toda aquela
armação de Roma e do sistema do templo. As autoridades judaicas, fiéis ao Deus
do templo, veem-se obrigadas a reagir: Jesus estorva. Invoca Deus para defender
a vida dos últimos. Caifás e os seus servos o invocam para defender os
interesses do templo. Condenam Jesus em nome de seu Deus, mas, ao fazê-lo,
estão condenando o Deus do reino, o único Deus vivo em quem Jesus crê. O mesmo
acontece com o Império de Roma. Jesus não vê naquele sistema defendido por
Pilatos um mundo organizado segundo o coração de Deus. Ele defende os mais
esquecidos do Império; Pilatos protege os interesses de Roma. O Deus de Jesus
pensa nos últimos; os deuses do Império protegem a pax romana. Não se pode, ao
mesmo tempo, ser amigo de Jesus e de César; não se pode servir a Deus do reino
e aos deuses estatais de Roma. As autoridades judaicas e o prefeito romano
movimentaram-se para assegurar a ordem e a segurança. No entanto, não é só uma
questão de política pragmática. No fundo, Jesus é crucificado porque sua
atuação e sua mensagem sacodem pela raiz esse sistema organizado a serviço dos
poderosos do Império romano e da religião do templo. É Pilatos quem pronuncia a
sentença: “Irás para a cruz”. Mas essa pena de morte está assinada por todos
aqueles que, por razões diversas, resistiram ao seu chamado de “entrar no reino
de Deus” (PAGOLA, 2011, p. 463).
Os atos que
antecedem a crucificação
O centro da
mensagem de Jesus é o Reino de Deus. Jesus apresenta a nova realeza. E o centro
desta é a verdade. “A instauração dessa realeza como verdadeira libertação do
homem é o que interessa” (RATZINGER, 2011, p. 178). Todavia, antes da sentença
final, há ainda um interlúdio dramático, dividido em três atos. O primeiro ato
é a apresentação que Pilatos faz de Jesus como candidato à anistia pascal. A
questão toda é que só receberia a anistia quem fosse condenado por uma situação
fatal. E em Jesus Pilatos não encontra nada de que o possa acusar a fim de ele
ser condenado. Pilatos não consegue quebrar a lógica e o nexo entre poder e
mentira. É incapaz de dizer não ao projeto perverso de opressão do povo pobre e
dos que são condenados injusta e inocentemente. O segundo ato é a flagelação de
Jesus. A flagelação era a punição alicerçada no código penal romano, infligida
como castigo concomitante à condenação à morte (cf. RATZINGER, 2011, p. 180). É
um ato que aparece durante o interrogatório, como prerrogativa do prefeito em
virtude de seu poder, concedido pelo imperador. E o terceiro ato é a coroação
de espinhos. Esta representava, na verdade, a zombaria contra quem quisesse ser
rei. Os soldados se comprazem com isso, porque despejam toda a sua raiva contra
os poderosos na vítima expiatória. Em Jesus condenado se apresenta o “Ecce
homo” (RATZINGER, 2011, p. 182). A condenação com a finalidade de não
causar rebuliço na ordem está acima da justiça:
“Ecce homo”: espontaneamente
essa expressão adquire uma profundidade que ultrapassa aquele momento. Em
Jesus, aparece o ser humano como tal. Nele se manifesta a miséria de todos os
prejudicados e arruinados. Na sua miséria, reflete-se a desumanidade do poder
humano, que desse modo esmaga o impotente. Nele se reflete aquilo que chamamos
“pecado”: aquilo em que se torna o homem quando vira as costas a Deus e,
autonomamente, toma em sua mão o governo do mundo.
Mas é verdade
também o outro aspecto: não se pode tirar de Jesus sua dignidade íntima. Nele
continua presente o Deus escondido. Também o homem açoitado e humilhado
permanece imagem de Deus. Desde quando Jesus se deixou açoitar, precisamente os
feridos e os açoitados são imagem do Deus que quis sofrer por nós. Assim,
Jesus, no meio da sua paixão, é imagem de esperança: Deus está do lado dos que
sofrem (RATZINGER, 2011, p. 182).
A morte de cruz
caracteriza desprezo e humilhação
A fidelidade de
Jesus ao Reino de Deus leva-o à superação de toda tentação de usar o poder do Espírito Santo como
apropriação. Segundo Lucas, Jesus toma resolutamente a decisão de ir para
Jerusalém. É decisão firme e resoluta (cf. Lc 9,51-52). Para Lucas, cada passo
é definitivo e não há regresso. Jesus endureceu o rosto para Jerusalém. É o
grande momento da decisão e da fidelidade. Jesus sabia do possível confronto em
Jerusalém. Sabia que, por algum pecado ou ofensa religiosa, o profeta seria
lapidado. Jesus podia ter esperado a lapidação, mas não a morte por
crucificação. Nesse sentido, como consequência, tem-se que Jesus nem sequer é
morto com a dignidade de profeta. Morre crucificado. A crucificação era sinal
de castigo aos escravos e tinha a intenção de aterrorizar a população e servir,
assim, como ato público de exemplo de castigo (cf. PAGOLA, 2011, p. 465). Em
outras palavras, Jesus não morre com sentido religioso, pois a cruz lhe tira o
sentido religioso da morte. A morte de cruz de Jesus tem caráter de humilhação.
A cruz tira o mérito de Jesus como profeta.
Na cruz, Jesus,
pelo amor incondicional, prova sua realeza e poder
A cruz não é só o
sofrimento do Filho. É a dor do Pai que sofre a morte do Filho em seu amor. O
óbvio começa a ser visto. O Filho sofreu a crucificação e morreu. Mas quem
sofreu por último sua morte e sua perda foi também o Pai. Na perda do Filho, o
Pai perdeu sua paternidade, todo o sentido do seu existir como Pai e como Deus.
“A dor do Filho é a ‘dor’ do Pai. Este não é somente aquele que recebe o ato de
entrega de Jesus; é ao mesmo tempo aquele que oferece e, em certo sentido, se
oferece ao oferecer o Filho ao mundo” (ROCCHETTA, 2002, p. 300). Atingido pela
morte, na dor e na perda, o Pai, na presença do Espírito, também conhece e
experimenta a morte do Filho amado, segundo a espantosa afirmação da tradição
cristã: “Deus morreu”. O sofrimento de Jesus deve ser visto no sofrimento do
amor de quem se abre à mortalidade e à dor dos outros. É o sofrimento que
engrandece aquele que sofre. Alarga seus ombros e seu regaço, carregando sobre
si a mortalidade do outro e sua dor (cf. SUSIN, 1997, p. 111-151). “A morte de
Jesus é o ato supremo da sua liberdade e do seu amor. Vive a obediência total
em união com o Pai. O Filho do Homem foi levantado para atrair todos a si e ao
Pai” (GRUPO FONTE, 2013, p. 154). O amor de Jesus pela criatura humana faz com
que ele assuma incondicionalmente a realidade decaída e corrompida da criatura
que se afastou do amor para resgatá-la em sua essência e entregá-la ao amor do
Pai (cf. GRUPO FONTE, 2012, p. 140). Mesmo diante da dor extrema, Jesus não se
desvia do desígnio do Reino de Deus. Vive a entrega à vontade do Pai com plena
liberdade e gratuidade. “A cruz testemunha o imenso e eterno amor que flui do
coração do Pai” (GRUPO FONTE, 2012, p. 140). O que o Pai quer não é que matem o
Filho, mas que o Filho viva o seu amor até as últimas consequências. Jesus
morreu como viveu, ou seja, morreu amando até o fim:
Deus não pode evitar
a crucifixão, porque para isso deveria destruir a liberdade dos seres humanos e
negar-se a si mesmo como Amor. O Pai não quer o sofrimento e o sangue, mas não
se detém nem sequer diante da tragédia da cruz e aceita o sacrifício de seu
Filho querido unicamente por amor insondável para conosco. Assim é Deus
(PAGOLA, 2011, p. 345).
A cruz revela o
poder e as forças do mal
Na cruz, perpassa a
infidelidade da humanidade ao projeto de Deus. A morte de Jesus realiza a
radical experiência humana do abandono. Na cruz, Jesus experimenta o fracasso
de seu projeto. Ele sente o abandono, até mesmo daqueles que o acompanharam
durante toda a vida. É o escândalo e a humilhação máxima a alguém. Na cruz,
Jesus sofre e morre. Para verdadeira compreensão do sofrimento de Jesus, é
preciso, no entanto, elaborar algumas considerações a seu respeito: não é um
sofrimento como pena, como pagamento de uma culpa por ele merecida ou que
estaria a ele reservada, pois poderia atingir o cerne da vida de Deus; não é um
sofrimento como castigo pedagógico com vistas ao futuro; não é um sofrimento
apenas como constitutivo da finitude humana, uma vez que se poderia cair no
perigo do destino trágico; não é apenas como consequência das condições
históricas e sociais de injustiça, pois se poderia cair no sofrimento a nós
destinado simplesmente pelos outros; não é apenas como o sofrimento do
inocente, pois haveria o perigo do exagero na dose do sofrimento, tornando-o
monstruosidade, e da inconsequente divinização do sofrimento:
Sem dúvida, a primeira
coisa que todos nós descobrimos no Crucificado do Gólgota, torturado
injustamente até a morte pelas autoridades religiosas e pelo poder político, é
a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da justiça. Mas
precisamente ali, nessa vítima inocente, nós, seguidores de Jesus, vemos Deus
identificado com todas as vítimas de todos os tempos (PAGOLA, 2011, p. 342).
O sofrimento de
Jesus é expiatório
No sofrimento
expiatório há a passagem da causa para alguém. Aqui geralmente este alguém é Deus.
Esse é o sofrimento que salva, que santifica. É o sofrimento que gera a vida. É
o sofrimento desde o outro e para o outro. É o sofrimento que não destrói.
Engrandece e constrói. Não há amor sem dor. Ao invés de destruir-nos,
resgata-nos. Esse sofrimento é o que nos reconcilia com Deus. Logo, o
sofrimento é, em si, desumano, destruidor, angustiante, mas, integrado no amor,
é extremamente divinizador. O sofrimento pelo outro, desde o outro e para o
outro, é o sofrimento do amor. “O sofrimento e a dor, inerente à vida, fazem
intuir que o dia da paixão e morte de Jesus, na cruz, revela o que há de mais
profundo no ser humano e de mais belo no coração de Deus” (GRUPO FONTE, 2013,
p. 154). Jesus é o Servo Sofredor por excelência. Vive sua
liberdade como esvaziamento (Fl 2,6-8), ou seja, esvaziou-se da sua
propriedade. Esvaziamento significa dizer que o que é meu passa a ser de
outrem, fazer a experiência do ser acolhedor, ser hospitaleiro, entregar tudo,
esvaziar-se da propriedade pessoal em vista da presença do outro. “Este ‘fim’,
este extremo cumprimento do amar foi alcançado agora, no momento da morte.
Jesus foi verdadeiramente até o fim, até o limite e para além do limite. Ele
realizou a totalidade do amor, deu-se a si mesmo” (RATZINGER, 2011, p. 202). Na
cruz realiza-se a entrega total de Jesus ao projeto do Pai e conduz-se a humanidade a
Deus. Na cruz, configura-se nova forma de poder e realeza:
Desse modo é
possível uma nova forma de obediência, uma obediência que ultrapassa todo o
cumprimento humano dos Mandamentos. O Filho torna-Se Homem e, no seu corpo,
reconduz a Deus a humanidade inteira. Só o Verbo feito carne, cujo amor se
cumpre na cruz, é a obediência perfeita. Nele, não se tornou definitiva apenas
a crítica aos sacrifícios do templo, mas cumpriu-se também o desejo que ainda
restava: a sua obediência ‘corpórea’ é o novo sacrifício para dentro do qual
ele nos atrai a todos nós e no qual, ao mesmo tempo, a nossa desobediência fica
anulada por meio do seu amor (RATZINGER, 2002, p. 212).
Da cruz como destruição
à reconstrução da condição humana
A cruz representa
destruição e morte violenta. Cruz significa desprezo, castigo e fim de tudo.
Porém se, por um lado, a cruz de Jesus é escândalo como sequência histórica da
vida de sua vida, é também e, sobretudo, cruz redentora. A cruz em si não é
salvadora nem, tampouco, redentora. “A cruz pela cruz não passa de uma
maldição. Salvadora é a vida de Jesus” (RUBIO, 1994, p. 87). Em outras
palavras, a cruz passou a ser salvadora por causa da vida de Jesus. “A cruz é
salvadora porque constitui o resumo e a radicalização máxima da entregade
Jesus, vivida durante toda a sua vida” (RUBIO, 1994, p. 88). Tem-se a revelação
de um Deus humilde e paciente, que respeita até as últimas consequências a
liberdade humana. Deus não se revela como Deus imutável e majestoso, alheio ao
sofrimento humano. Ele se revela como o Deus solidário ao sofrimento humano e
às suas angústias. Vê-se, pois, um Deus identificado com todas as vítimas de
todos os tempos (cf. PAGOLA, 2012, p. 341). Nesse sentido: “Com a cruz, ou
termina nossa fé em Deus ou nos abrimos a uma compreensão nova e surpreendente
de um Deus que, encarnado em nosso sofrimento, nos ama de maneira incrível”
(PAGOLA, 2012, p. 343). Deus não responde ao mal com o mal. Do mal provém a
redenção. A cruz, que significava destruição, torna-se reconstrução da condição
humana (GRUPO FONTE, 2013, p. 154). “O mistério da cruz não está simplesmente
diante de nós, mas envolve-nos, dando um novo valor à nossa vida” (RATZINGER,
2011, p. 213). Na cruz a morte é vencida, ou seja, a morte é transformada em
vida.
A mensagem de Jesus
crucificado é muito clara. Deus, que poderia ter aniquilado
todas as formas de mal, preferiu entrar nele com a carne
do seu Filho, em Jesus, proclamando o perdão e o retorno, e assumindo em si as
consequências do mal, para redimi-lo na própria carne crucificada. É a lei da cruz, o princípio
segundo o qual o mal não é eliminado, mas transformado em bem pelo exemplo e
pela força da morte de Cristo. Deste modo, a cruz se torna a suprema lei do amor, e quem quiser
seguir o caminho de regeneração inaugurado por Jesus deve entrar no mal do
mundo para dali tirar o bem da fé, da esperança, da caridade, do amor pelos
inimigos. A lei da cruz é formidável. Ela tem uma eficácia soberana no reino do
espírito e é aplicável a todas as vicissitudes humanas. É o mistério do Reino
de Deus, é o mistério do Evangelho. Não é uma lei aceitável pela simples
inteligência natural humana. Ela não pode ser demonstrada, caso prescindirmos
da pessoa de Cristo. A inteligência natural humana a recusa, não é capaz de
entendê-la sem o auxílio da fé (MARTINI, 1998, p. 231).
Jesus é o Cordeiro
sacrifical único e eterno
O projeto de Jesus
se completa na sua morte, sinal de amor até o fim. Jesus assume a cruz com
liberdade e revela seu amor incondicional por nós. Ele é o “Cordeiro que tira o
pecado do mundo” (Ap 5,12; Jo 1,29). Pelo seu sangue é selada a nova aliança.
Nessa perspectiva, a morte de Jesus faz parte do grande projeto de Deus. “Por
acaso não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11). É o grande mistério
de, em Cristo, reconciliar todas as criaturas e libertar os seres humanos da
escravidão e do pecado. Jesus, em seu amor redentor, assumiu-nos na condição de
pecadores, tornando-se solidário a nós. “Deus não poupou seu próprio Filho, mas
o entregou a todos nós” (Rm 8,23), a fim de que fôssemos reconciliados com ele
pela morte de seu Filho (Rm 5,10). Este é o exemplo de supremo amor de Deus
para conosco. Jesus é o “novo Adão”. Por meio dele todos se tornarão justos.
Vista na perspectiva da ressurreição, a morte de Jesus é o novo êxodo, o início
da nova Páscoa. O último dia de Jesus é o primeiro a partir do qual o mundo foi
redimido. Da cruz de Cristo nasce novo mundo, baseado na vitória sobre o pecado,
a qual possibilita ao ser humano chamar a Deus de Pai, e sobre a morte, pois
este é o caminho para a ressurreição; na libertação da lei, pois esta foi
submetida pelo amor, e na ruptura do reinado de Satanás, pois Cristo o venceu.
Enfim, a morte de Jesus é o selo da nova aliança. É o sacrifício pascal único
da nova aliança. Depois dele, já não são necessários sacrifícios expiatórios,
pois Jesus é o verdadeiro Cordeiro pascal. Todos os sacrifícios anteriores
chegam à sua plenitude com a morte de Jesus na cruz (Hb 7,26). Na última ceia,
Jesus disse que seu corpo seria entregue pelos pecados dos homens, seu sangue
seria derramado para o perdão dos pecados e nele surgiria nova aliança (Lc
22,19s; Mc 14,26s). Jesus é a vítima do sacrifício que, com seu sangue,
recoloca o ser humano em comunhão com Deus. Portanto, no sangue de Jesus na
cruz é selada a nova aliança. Assim como no Antigo Testamento a aliança era
concluída com um banquete e com a aspersão do sangue de animais sacrificados, a
nova aliança, em Jesus Cristo, é firmada no sangue e realizada na ceia pascal,
na qual ele mesmo se oferece como Cordeiro sacrifical único e eterno. O
Crucificado desmascara as mentiras, as covardias e as artimanhas do poder
opressor. [1] “A
partir do silêncio da cruz, ele é o juiz firme e manso do aburguesamento de
nossa fé, de nossa acomodação ao bem-estar e de nossa indiferença diante dos
que sofrem” (PAGOLA, 2012, p. 347). Assim sendo, a cruz se torna o início da
vida nova. “A cruz se torna a prova plena, incompreensível e irrefutável, do
amor de Deus Pai pela humanidade” (GRUPO FONTE, 2013, p. 154).
BIBLIOGRAFIA
GRUPO FONTE. Manancial de
vida. Exercícios espirituais. Porto Alegre: Pacartes,
2013.
______. O
caminho de Jesus. Exercícios espirituais. Porto Alegre: Pacartes,
2012.
MARTINI, Carlo
Maria. Reencontrando a si mesmo: há um momento em que devemos parar
e procurar. São Paulo: Paulinas, 1998.
PAGOLA, José
Antonio. Jesus: aproximação histórica. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2011.
______. O
caminho aberto por Jesus. Petrópolis: Vozes, 2012.
RATZINGER,
Joseph. Jesus de Nazaré: da entrada em Jerusalém até a ressurreição.
São Paulo: Planeta, 2011.
______. Jesus
de Nazaré: primeira parte: do batismo no Jordão à transfiguração. São
Paulo: Planeta, 2007.
ROCCHETTA,
Carlo. Teologia da ternura: um “evangelho” a descobrir. São Paulo:
Paulus, 2002.
RUBIO, Alfonso
Garcia. O encontro com Jesus Cristo vivo. São Paulo: Paulinas,
1994.
SUSIN, Luiz
Carlos. Jesus: Filho de Deus e filho de Maria: ensaio de
cristologia narrativa. São Paulo: Paulinas, 1997.
[1]Simplesmente
repete a sentença anterior, com suave mudança de perspectiva, achei que poderia
ser suprimido. Verificar.
Pe. Paulo César Nodari
Padre da Diocese de Caxias do Sul-RS; Doutor
em Filosofia pela PUC-RS; mestre na mesma área pela UFMG e graduado em
Filosofia (UCS) e Teologia (PUC-RS); Professor Universitário.
quinta-feira, 18 de abril de 2019
quarta-feira, 17 de abril de 2019
terça-feira, 16 de abril de 2019
segunda-feira, 15 de abril de 2019
domingo, 14 de abril de 2019
Domingo de Ramos – A morte que nos desata para ressurreição!
Pe.
André Vital Félix da Silva, SCJ
A
|
liturgia do DOMINGO DE RAMOS, chamado também de
maneira muito apropriada, DOMINGO DA
PAIXÃO, abre a grande Semana fazendo memória da entrada messiânica de
Jesus na sua cidade, Jerusalém, e da sua paixão e morte. O Domingo de Ramos é, portanto, a síntese introdutória de tudo aquilo
que será vivenciado no decorrer da Semana Santa: o anúncio e a realização do
Mistério Pascal.
Ao entrar triunfalmente em Jerusalém, Jesus
profetiza a vitória da sua ressurreição. Ressurreição da qual participaremos se
tomarmos a decisão de segui-lo não apenas na sua entrada em Jerusalém, com
palmas e cantos de louvor, mas se continuarmos a sua caminhada até a cruz.
Seguindo os seus passos até o fim, dele ouviremos a proclamação definitiva do
seu triunfo: “HOJE ESTARÁS COMIGO NO
PARAÍSO”.
A narração da entrada de Jesus em Jerusalém,
revestida de um simbolismo inesgotável, nos introduz de modo profundo no
mistério da sua paixão, morte e ressurreição. Todos os gestos e palavras de
Jesus sublinham o caráter profético desta entrada. É uma verdadeira síntese de
todo o evangelho de Lucas: “Jesus caminha à frente dos seus discípulos
subindo para Jerusalém”. Este caminho para Jerusalém é o itinerário
traçado por Lucas para falar da missão de Jesus que se consumará com a sua
morte na Cidade Santa. Indo à frente dos discípulos, Jesus indica o caminho que
devem seguir. Caminho que não pode ter desvios, caso contrário, não se
encontrará a cruz e, portanto, nada se cumprirá.
Com a sua morte e ressurreição, o Senhor nos liberta
das amarras do pecado e da morte. Tanto as Sagradas Escrituras como os Padres
da Igreja utilizam o simbolismo animal (theriomórfico)
para indicar aspectos da vida do ser humano, sobretudo os seus impulsos
desordenados: “Não queiras ser semelhante ao cavalo, ou ao jumento, animais sem
razão; eles precisam de freio e cabresto para domar e amansar seus impulsos,
pois de outro modo não chegam a ti” (Sl
31,9). Orígenes, comentando a passagem de Lucas que narra a entrada de
Jesus em Jerusalém, afirma: “Muitos eram os donos desse jumentinho,
antes que o Senhor precisasse dele, mas depois que o Senhor se tornou o seu
dono, deixaram de ser vários os seus senhores. Quando somos escravos da
maldade, estamos sujeitos às paixões e aos vícios… Vós sois o jumentinho! Em
que o filho de Deus precisa de vós? Que espera ele de vós? Ele precisa de vossa
salvação, ele quer vos desatar dos laços do pecado” (Orígenes, Homilia 37).
Neste gesto profético, Jesus anuncia qual o
significado de sua entrega: libertar de todas as amarras que aprisionam o ser
humano e lhe tiram a dignidade. Contudo, os seus acusadores deturparam esse
gesto e o interpretaram: “Achamos esse homem fazendo subversão entre
o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo
Cristo, o rei”. Não foram
capazes de ler o gesto de Jesus; não reconheceram que as características
fundamentais desse rei eram a humildade e a mansidão, como afirma o profeta
Zacarias: “Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado
sobre um jumentinho… Ele anunciará a paz” (Zc 9,9.10). Diferentemente
do cavalo, animal utilizado para a guerra, o jumento era símbolo do tempo de
paz. Portanto, Jesus montando num jumento não abdica de sua realeza, mas indica
que tipo de rei é. Após a sua ressurreição dirá aos seus discípulos: “A
paz esteja convosco!” (Lc 24,36);
realizando aquilo que no seu nascimento os anjos anunciaram: “Glória
a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2,13). Aclamação semelhante àquela
do povo ao receber Jesus entrando em Jerusalém: “Bendito o que vem, o Rei, em
nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!”
Porém, logo em seguida, o gesto dos discípulos e da
multidão que: “Puseram seus mantos… e a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia
de alegria, começou a louvar a Deus…” será, por um momento, abafado
pelos gritos dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei com o brado: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
Este rei, humilde e pacífico, será injustamente
julgado como um malfeitor. A sua humilhação será tamanha a ponto de ser
considerado mais digno de morte do que o próprio homicida Barrabás, que: “havia
sido preso por um motim na cidade e por homicídio”.
No caminho do calvário, porém, as pedras começam a
gritar através do lamento das mulheres que batem no peito. A palavra que Jesus
dissera antes: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” se inspira no Profeta
Habacuc: “Sim, da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas
responderão” (Hab 2,11). No
contexto histórico do profeta, corresponde à irresistível reação de quem, mesmo
não tendo nenhum status jurídico ou força moral para mudar uma situação, vence
a indiferença e denuncia a injustiça.
Diante do acontecimento, não é possível ficar
calado. Ou depõe-se contra ou a favor. Os malfeitores suspensos à cruz, também
não são indiferentes diante da condenação do rei dos judeus, e por isso, optam
por insultá-lo ou declará-lo injustiçado. Contudo, é a sua atitude de absoluta
confiança em Deus na hora de sua morte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”
que extirpará toda a dúvida: “Verdadeiramente este homem era justo!”. Percorrer os passos da paixão e morte de
Jesus nesses próximos dias só será possível se dermos o primeiro passo: deixarmo-nos desamarrar por ele de tudo
aquilo que nos amarra aos senhores desse mundo. Caso contrário, não seremos
alcançados pela força de sua ressurreição. Se ele não ficou aprisionado no
sepulcro, mas ressuscitou foi para que não permaneçamos atados na nossa
estribaria.
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