Pe.
André Vital Félix da Silva, SCJ
A
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liturgia do DOMINGO DE RAMOS, chamado também de
maneira muito apropriada, DOMINGO DA
PAIXÃO, abre a grande Semana fazendo memória da entrada messiânica de
Jesus na sua cidade, Jerusalém, e da sua paixão e morte. O Domingo de Ramos é, portanto, a síntese introdutória de tudo aquilo
que será vivenciado no decorrer da Semana Santa: o anúncio e a realização do
Mistério Pascal.
Ao entrar triunfalmente em Jerusalém, Jesus
profetiza a vitória da sua ressurreição. Ressurreição da qual participaremos se
tomarmos a decisão de segui-lo não apenas na sua entrada em Jerusalém, com
palmas e cantos de louvor, mas se continuarmos a sua caminhada até a cruz.
Seguindo os seus passos até o fim, dele ouviremos a proclamação definitiva do
seu triunfo: “HOJE ESTARÁS COMIGO NO
PARAÍSO”.
A narração da entrada de Jesus em Jerusalém,
revestida de um simbolismo inesgotável, nos introduz de modo profundo no
mistério da sua paixão, morte e ressurreição. Todos os gestos e palavras de
Jesus sublinham o caráter profético desta entrada. É uma verdadeira síntese de
todo o evangelho de Lucas: “Jesus caminha à frente dos seus discípulos
subindo para Jerusalém”. Este caminho para Jerusalém é o itinerário
traçado por Lucas para falar da missão de Jesus que se consumará com a sua
morte na Cidade Santa. Indo à frente dos discípulos, Jesus indica o caminho que
devem seguir. Caminho que não pode ter desvios, caso contrário, não se
encontrará a cruz e, portanto, nada se cumprirá.
Com a sua morte e ressurreição, o Senhor nos liberta
das amarras do pecado e da morte. Tanto as Sagradas Escrituras como os Padres
da Igreja utilizam o simbolismo animal (theriomórfico)
para indicar aspectos da vida do ser humano, sobretudo os seus impulsos
desordenados: “Não queiras ser semelhante ao cavalo, ou ao jumento, animais sem
razão; eles precisam de freio e cabresto para domar e amansar seus impulsos,
pois de outro modo não chegam a ti” (Sl
31,9). Orígenes, comentando a passagem de Lucas que narra a entrada de
Jesus em Jerusalém, afirma: “Muitos eram os donos desse jumentinho,
antes que o Senhor precisasse dele, mas depois que o Senhor se tornou o seu
dono, deixaram de ser vários os seus senhores. Quando somos escravos da
maldade, estamos sujeitos às paixões e aos vícios… Vós sois o jumentinho! Em
que o filho de Deus precisa de vós? Que espera ele de vós? Ele precisa de vossa
salvação, ele quer vos desatar dos laços do pecado” (Orígenes, Homilia 37).
Neste gesto profético, Jesus anuncia qual o
significado de sua entrega: libertar de todas as amarras que aprisionam o ser
humano e lhe tiram a dignidade. Contudo, os seus acusadores deturparam esse
gesto e o interpretaram: “Achamos esse homem fazendo subversão entre
o nosso povo, proibindo pagar impostos a César e afirmando ser ele mesmo
Cristo, o rei”. Não foram
capazes de ler o gesto de Jesus; não reconheceram que as características
fundamentais desse rei eram a humildade e a mansidão, como afirma o profeta
Zacarias: “Eis que o teu rei vem a ti: ele é justo e vitorioso, humilde, montado
sobre um jumentinho… Ele anunciará a paz” (Zc 9,9.10). Diferentemente
do cavalo, animal utilizado para a guerra, o jumento era símbolo do tempo de
paz. Portanto, Jesus montando num jumento não abdica de sua realeza, mas indica
que tipo de rei é. Após a sua ressurreição dirá aos seus discípulos: “A
paz esteja convosco!” (Lc 24,36);
realizando aquilo que no seu nascimento os anjos anunciaram: “Glória
a Deus nas alturas e paz na terra aos homens que ele ama!” (Lc 2,13). Aclamação semelhante àquela
do povo ao receber Jesus entrando em Jerusalém: “Bendito o que vem, o Rei, em
nome do Senhor! Paz no céu e glória no mais alto dos céus!”
Porém, logo em seguida, o gesto dos discípulos e da
multidão que: “Puseram seus mantos… e a multidão dos discípulos, aos gritos e cheia
de alegria, começou a louvar a Deus…” será, por um momento, abafado
pelos gritos dos sumos sacerdotes e dos mestres da Lei com o brado: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
Este rei, humilde e pacífico, será injustamente
julgado como um malfeitor. A sua humilhação será tamanha a ponto de ser
considerado mais digno de morte do que o próprio homicida Barrabás, que: “havia
sido preso por um motim na cidade e por homicídio”.
No caminho do calvário, porém, as pedras começam a
gritar através do lamento das mulheres que batem no peito. A palavra que Jesus
dissera antes: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” se inspira no Profeta
Habacuc: “Sim, da parede a pedra gritará, e do madeiramento as vigas
responderão” (Hab 2,11). No
contexto histórico do profeta, corresponde à irresistível reação de quem, mesmo
não tendo nenhum status jurídico ou força moral para mudar uma situação, vence
a indiferença e denuncia a injustiça.
Diante do acontecimento, não é possível ficar
calado. Ou depõe-se contra ou a favor. Os malfeitores suspensos à cruz, também
não são indiferentes diante da condenação do rei dos judeus, e por isso, optam
por insultá-lo ou declará-lo injustiçado. Contudo, é a sua atitude de absoluta
confiança em Deus na hora de sua morte: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”
que extirpará toda a dúvida: “Verdadeiramente este homem era justo!”. Percorrer os passos da paixão e morte de
Jesus nesses próximos dias só será possível se dermos o primeiro passo: deixarmo-nos desamarrar por ele de tudo
aquilo que nos amarra aos senhores desse mundo. Caso contrário, não seremos
alcançados pela força de sua ressurreição. Se ele não ficou aprisionado no
sepulcro, mas ressuscitou foi para que não permaneçamos atados na nossa
estribaria.
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