Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de
Brasília
AFASTA-TE DE MIM, SENHOR, PORQUE SOU
PECADOR
A |
Palavra de Deus, neste domingo, coloca diante
de nós a vocação de Isaías (Is 6, 1-2. 3-8), a vocação de Pedro (Lc
5, 1-11) e o credo primitivo sobre a ressurreição (1Cor 15, 1-11).
Nas duas narrativas de vocação estão a consciência da situação humana diante da
grandeza do mistério de Deus. É a experiência que o homem bíblico tem diante do
mistério de Deus, mistério transcendente e glorioso, tremendum et fascinans.
Tremendo porque é santidade, absoluta superioridade e inacessibilidade. Fascinante porque o mistério atrai e a
criatura humana sente a necessidade de aproximar-se. (M. GRILLI, Sulla via
dell`Incontro, 61). Mas o Deus que Se revela no Antigo Testamento e em
Jesus de Nazaré vai além, pois é Ele quem desce e vem ao encontro da criatura
humana. É Ele mesmo que, em Jesus de Nazaré, torna-Se um de nós, que Se
aproxima dos mais perdidos da sociedade para salvar-nos. Deus rompe a oposição
entre Sua glória e santidade e o pecado humano, vindo Ele mesmo ao encontro do
homem para salvá-lo e o libertar.
Isaías,
no templo, faz uma profunda experiência da beleza do mistério de Deus. A beleza
de Deus fascina o ser humano. Ela, num primeiro momento causa medo, mas, ao
mesmo tempo, fascina o coração, pois o ser humano foi criado para a beleza. E a
beleza de Deus não elimina a feiúra da vida humana, mas a salva, pois a acolhe,
a encontra lá onde ela está. A beleza de Deus é a beleza do amor, que só pode
amar. O amor não pode deixar de amar.
Pedro
faz a mesma experiência. Já tinha
trabalhado a noite inteira. Agora há uma Palavra nova: “Avança para águas
mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”. Tinham trabalhado
a noite inteira e não tinham apanhado nada. Mas em atenção à Palavra de Jesus,
lançam as redes. Apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se
rompiam. Somos sempre convidados a pescar com Jesus, obedecendo à Palavra de
Jesus. Quando fazemos as coisas humanamente, às vezes nos deparamos com o
insucesso. Mas quando escutamos a Palavra de Jesus e fazemos obedecendo à Sua
palavra, a pesca será sempre abundante. Assim deve ser na vida da Igreja, na
caminhada de nossas comunidades e na nossa vida pessoal: fazer sempre
ouvindo e obedecendo a Palavra de Jesus, fazer com Jesus no nosso barco.
Depois
do sucesso da pesca, diante daquilo que o Senhor fizera, Pedro se dá conta da
sua realidade de ser um homem pecador: “Senhor afasta-te de mim, porque
sou um pecador”. Isaías tem a mesma experiência no templo: “… sou
apenas um homem de lábios impuros”. Mas Jesus quer transformar aquele
pescador de peixes em pescador de homens: “Não tenhas medo! De agora em
diante serás pescador de homens”.
Pedro, entretanto, deve vencer o medo. O medo é aquilo que nos aprisiona
e nos impede de perceber que Aquele que nos chama vence a nossa incapacidade, a
nossa limitação, o nosso pecado. Quando ficamos olhando demasiadamente para nós
mesmos, para a argila da qual somos feitos, deixamos de realizar grandes
coisas, pois a confiança é colocada nas nossas pobres forças que são incapazes,
não no poder da graça de Deus que, mesmo com instrumentos inadequados, realiza
grandes obras.
Que
a força da ressurreição, que os discípulos experimentaram (1 Cor 15, 3-8),
ajude-nos a perceber que Deus quer vencer também as nossas mortes e os nossos
pecados, transformando-os em vida, em ressurreição.
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