Dom Paulo Cezar Costa, Arcebispo de
Brasília
AMAI OS VOSSOS INIMIGOS
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palavra de Deus deste VII DOMINGO DO TEMPO
COMUM (Lc 6, 27 – 38) coloca diante de nós a experiência do amor
cristão. O mundo pagão e o judaísmo do tempo de Jesus não conheciam um
mandamento positivo de amor para com os inimigos: “Amai os vossos
inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai
por aqueles que vos difamam” (Lc 6,27-28). Um ensinamento
análogo já se encontrava, esporadicamente, no helenismo estóico, no judaísmo
helenista, no ensinamento rabínico, muito embora não se chegue a mandar
positivamente o amor para com o inimigo. As palavras de Jesus, neste assunto,
representam, historicamente, o primeiro caso em que a ideia de amor para com o
inimigo se torna norma bem clara para uma comunidade – aquela dos discípulos de
Jesus.
Mesmo
que este ensinamento seja presente nos filões culturais da época, Jesus
sublinha o amor para com os inimigos (a insistência sobre conceitos
expressos pelos verbos: “odeiam, maldizem, caluniam”). Esta
expressão vai entendida não no sentido de um inimigo pessoal, mas de qualquer
inimigo, também os pecadores, os pagãos (bom samaritano em Lc 10,30-37),
até o perseguidor da comunidade. Isto não por interesse, mas por uma gratuita
sintonia com a ilimitada misericórdia de Deus (Lc 6,36).
O
discípulo é exortado a atitudes que vão muito além, e até mesmo estão em
contraposição à mentalidade do mundo: “se amais os que vos amam, que
graça alcançais? Pois até mesmo os pecadores amam aqueles que os amam” (Lc
6, 32). É a mentalidade de Deus, a lógica de Deus que deve guiar a vida, a
conduta e as atitudes do discípulo. É a
lógica do Pai do céu que norteia o discípulo: “sereis filhos do
Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e maus” (Lc 6, 35). A recompensa que o discípulo deve esperar é a
do Pai eterno, a recompensa no céu. Numa sociedade imediatista, onde são os
interesses que pautam as relações, o discípulo de Jesus Cristo, o cristão deve
ser alguém que vive na terra, mas tem a cabeça no céu, tem os critérios de Deus
nas pequenas e grandes decisões e atitudes do dia a dia.
Este
mandamento de Jesus nos ajuda a refletir sobre o amor, a entrar na lógica nova
trazida por Jesus. O termo usado aqui para indicar amor é o ágape (agapate),
isto é, o amor na sua gratuidade. O ágape designa essencialmente o amor na sua
fonte, em Deus. O amor ágape é o amor de Deus, é o amor na sua gratuidade, sem
interesse. É o amor com o qual Deus nos ama e que o ser humano vive,
experimenta e participa mediante o dom do Espírito (Rm 5, 5).
É
no Espírito de Deus que o ser humano também pode amar na sua gratuidade, pode
amar até os inimigos. O amor ágape nos coloca numa lógica nova, livrando-nos
dos interesses e da lógica do mercado. É o agir e fazer por pura gratuidade
imitando a gratuidade de Deus, que também é bom para com os ingratos e maus.
Que o encontro com este Evangelho nos ajude a crescer no caminho de um amor
verdadeiramente gratuito.
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