Um novo mandamento
Dom Anselmo
Chagas de Paiva, OSB
Diretor da
Faculdade de São Bento/RJ
O |
Evangelho
deste domingo nos mostra o discurso de Jesus aos seus discípulos por ocasião da
última ceia. Jesus sabe que lhe restam poucas horas de vida e sente a necessidade
de deixar algumas instruções com um típico sabor testamentário. Inicia com a
expressão “meus filhinhos” (v. 33), fazendo lembrar um pai a
transmitir aos seus filhos o que é essencial e verdadeiramente
fundamental. Assim como os filhos
consideram sagradas as palavras que o pai lhes diz no leito, antes da morte,
também Jesus quer que os seus discípulos não esqueçam jamais as palavras que
ele quer deixar: “Dou-vos um novo mandamento: amai-vos uns aos outros como
eu vos tenho amado” (v. 34).
Jesus fala em um “novo
mandamento”. A novidade deste novo mandamento é que não se trata do antigo
e conhecido mandamento que ordenava “amar ao próximo como a ti mesmo” (Lv
19,18). A própria construção da frase, sugere que o “novo” deste
mandamento consiste, exatamente, no “como eu vos amei”. Nem a palavra
amar, nem o mandamento do amor são novos. Novo é amar como Jesus, amar em
Jesus, por causa de sua palavra impressa em cada página do evangelho.
O verbo “agapaô” –
traduzido do grego como amar, aqui utilizado, define, o amor que faz dom de si,
o amor até ao extremo, o amor que não guarda nada para si, mas é entrega total
e absoluta. O ponto de referência no amor é o próprio Jesus, como prescreve o
complemento da frase “como eu vos tenho amado”. Amar consiste em acolher,
em pôr-se ao serviço dos outros, em dar-lhes dignidade e liberdade pelo amor, e
isso sem limites. Jesus é a norma, agora traduzida em palavras, o que ele mesmo
manifestou com seus atos, para que os seus discípulos tenham uma referência. O amor, igual ao de Jesus, que os discípulos
devem manifestar entre si será visível para todos (v. 35). Trata-se de um amor universal, capaz de
transformar todas as circunstâncias negativas e todos os obstáculos em ocasiões
para progredir no amor.
O estilo divino desse
amor de Cristo tem que ser o modelo do nosso amor. De tal sorte que nossa presença junto aos
irmãos seja uma sombra da presença do próprio Cristo. Um amor que presta em favor dos irmãos, os
mais humildes serviços, como fez Jesus.
Cristo se identifica com o outro, especialmente com os mais
necessitados. É uma verdade que somente
os cristãos, mediante a fé, podem ver Cristo na pessoa do outro, pois será a
partir deste amor a base do nosso julgamento final, pois ele mesmo disse: “Tive
fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber…”. E
completa: “Todas as vezes que o deixastes de fazer a um destes pequeninos,
foi a mim eu o deixastes de fazer” (Mt 25,40-45).
Além de proclamar o
mandamento do amor, Jesus deixou esta norma como sinal distintivo para os seus
seguidores: “Nisso conhecerão todos
que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (v. 35). Por vontade expressa de Cristo é o amor o
sinal de identificação de seus discípulos.
O sinal de que de agora em diante distinguirá seus discípulos deverá ser
o amor mútuo. Como já nos diz o
Evangelista São João: “Se alguém diz: Eu amo a Deus e odeia a seu irmão é
mentiroso. Pois, quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus,
a quem não viu? E dele temos este mandamento: Quem ama a Deus, ame também a seu irmão” (1Jo
4,20s). E ainda frisa: “Sabemos que
passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não ama permanece
na morte” (1Jo 3,14).
Diante destas
exigências apresentadas por Jesus e lançando um olhar para cada um de nós,
percebemos que somos fracos e limitados. Existe sempre em nós uma resistência
ao amor e na nossa existência há muitas dificuldades que provocam divisões,
ressentimentos e rancores. Mas não podemos perder a esperança. O Senhor prometeu
estar presente na nossa vida, nos tornando capazes deste amor generoso e total,
que sabe superar todos os obstáculos. Se estivermos unidos a Cristo, poderemos
amar verdadeiramente deste modo que Ele quer. Amar os outros como Jesus nos
amou só é possível com aquela força que nos é comunicada na relação com Ele,
especialmente na Eucaristia, na qual se torna presente de maneira real o seu
Sacrifício de amor que gera amor.
A prática do amor
mútuo é a expressão da fé em Jesus. O verdadeiro discípulo distingue-se pelo
amor. A capacidade de amar-se mutuamente indica o quanto Jesus está agindo na
vida do cristão. A presença salvadora de Jesus tem o efeito de desatar o nó do
egoísmo, que afasta os indivíduos de seus semelhantes e, por consequência, de
Deus também.
São Paulo ressalta
que o amor é superior a todos os dons extraordinários. O amor é maior do que o
dom de língua. O amor é maior do que o dom de profecia e conhecimento. O amor é
maior do que o dom de milagres. Sem amor, até as melhores obras de caridade
ficam isentas de valor (cf. 1Cor 13,1-3). O amor é melhor por causa da
sua excelência intrínseca e também por causa da sua perpetuidade.
São Paulo define que
o amor é paciente e benigno, ou seja, o amor tem uma infinita capacidade de
suportar. A palavra indica paciência com pessoas, no sentido de reagir com
bondade perante aqueles que o maltratam.
São Paulo ainda explica que o amor não é ciumento, ufanoso e
ensoberbecido. Não se conduz inconvenientemente, não procura os seus próprios
interesses e não se ressente com o mal. O amor não se alegra com a justiça, mas
regozija-se com a verdade. E, por fim, diz São Paulo que o amor tudo sofre, tudo
crê, tudo espera e tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7). E ainda segundo São Paulo, dentre as maiores
virtudes: fé, esperança e caridade, a maior de todas é a caridade, ou seja,
o amor (cf. 1Cor 13,13).
Podemos correr o
risco de reconhecer o perigo de alegrarmos com o fracasso dos nossos inimigos.
Há um mal intrínseco em nós mesmos. Podemos sentir um falso alívio quando vemos
os nossos adversários fracassando e caindo, mas isto não é amor. O amor além de
perdoar, esquece e não mantém um registro do que foi dito e feito contra
nós. A ausência de amor faz com que o
cristão perca o seu significado diante de Deus. Deus não pode usar, para a sua
glória, um cristão sem amor.
Possamos hoje
questionar a nós mesmos: É este o amor que Jesus pede que esteja vivendo e
compartilhando? Estou testemunhando, com
gestos concretos, o amor de Deus? Nos nossos comportamentos e atitudes uns para
com os outros, todos podem descobrir o amor de Deus no mundo? Saibamos haurir diariamente da relação de
amor com Deus pela oração, a força para transmitir o anúncio profético de
salvação a todas as pessoas com as quais convivemos.
Peçamos ao Senhor que
ele mesmo nos ajude a pôr em prática este mandamento novo do amor que ele nos
ordena a praticar e nos faça abrir as portas do nosso coração para perdoar
aqueles que nos ofendem e a abrir nossas mãos para partilhar com quem não tem o
pouco que temos. Assim seja.
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