Homilia pronunciada pelo Papa Francisco
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evive, hoje, na Liturgia da Igreja o
testemunho dos dois grandes Apóstolos Pedro e Paulo. O primeiro, que o rei
Herodes metera na prisão, ouve o anjo do Senhor dizer-lhe: «Ergue-te depressa» (At
12, 7); o segundo, resumindo toda a sua vida e apostolado, diz: «combati a
boa batalha» (2 Tm 4, 7). Tendo diante dos olhos estes dois aspetos –
erguer-se depressa e combater a boa batalha –, perguntemo-nos que podem eles
sugerir à Comunidade Cristã de hoje, empenhada no processo sinodal em curso.
Antes de mais nada,
os Atos dos Apóstolos falam-nos da noite em que Pedro foi libertado das
correntes da prisão; um anjo do Senhor tocou-lhe o lado enquanto dormia,
despertou-o e disse: «Ergue-te depressa!» (12, 7). Desperta-o e pede-lhe
para se erguer. Esta cena evoca a Páscoa, porque aqui encontramos dois verbos
usados nas narrações da ressurreição: despertar e erguer-se. Significa que o
anjo despertou Pedro do sono da morte e o impeliu a erguer-se, isto é, a
ressurgir, a sair para a luz, a deixar-se conduzir pelo Senhor para superar o
limiar de todas as portas fechadas (cf. At 12, 10). É uma imagem
significativa para a Igreja. Também nós, como discípulos do Senhor e como
Comunidade Cristã, somos chamados a erguer-nos depressa para entrar no
dinamismo da ressurreição e deixar-nos conduzir pelo Senhor ao longo dos
caminhos que Ele nos quiser indicar.
Sentimos ainda tantas
resistências interiores que não nos deixam pôr em marcha. Tantas resistências!
Às vezes, como Igreja, somos dominados pela preguiça e preferimos ficar
sentados a contemplar as poucas coisas seguras que possuímos, em vez de nos
erguermos a fim de lançar o olhar para horizontes novos, para o mar alto.
Muitas vezes estamos acorrentados como Pedro no cárcere do ramerrão, assustados
pelas mudanças e presos à corrente das nossas habitudes. Mas, assim, cai-se na
mediocridade espiritual, corre-se o risco de «ir sobrevivendo» mesmo na vida
pastoral, esmorece o entusiasmo da missão e, em vez de ser sinal de vitalidade
e criatividade, a impressão que se dá é de tibieza e inércia. Então, como
escrevia padre Henri de Lubac, a grande corrente de novidade e de vida, que é o
Evangelho nas nossas mãos, torna-se uma fé que «cai no formalismo e na
habitude, (...) religião de cerimônias e devoções, de ornamentos e vulgares
consolações (...). Cristianismo clerical, cristianismo formalista, cristianismo
mortiço e endurecido» (O drama do humanismo ateu. O homem diante de Deus,
Milão 2017, 103-104).
O Sínodo, que estamos
a celebrar, chama-nos a ser uma Igreja que se ergue em pé, não dobrada sobre si
mesma, capaz de olhar mais além, de sair das suas prisões para ir ao encontro
do mundo, com a coragem de abrir portas. Naquela mesma noite, insidiava outra
tentação (cf. At 12, 12-17): aquela jovem assustada, em vez de abrir a
porta, volta para trás contando algo que, para os presentes, só podia ser obra
da sua fantasia. Abramos as portas. É o Senhor que chama. Não sejamos como Rode
que voltara para trás...
Uma Igreja sem
correntes nem muros, onde cada qual se possa sentir acolhido e acompanhado,
onde se cultive a arte da escuta, do diálogo, da participação, sob a única
autoridade do Espírito Santo. Uma Igreja livre e humilde, que «se ergue
depressa», que não adia, não acumula atrasos face aos desafios de hoje, não se
demora nos recintos sagrados, mas deixa-se animar pela paixão do anúncio do
Evangelho e pelo desejo de chegar a todos, e a todos acolher. Não esqueçamos
esta palavra: todos. Todos! Ide pelas encruzilhadas e trazei todos, cegos,
surdos, coxos, doentes, justos, pecadores: todos, todos! Esta palavra do Senhor
deve ressoar… ressoar na mente e no coração: todos! Na Igreja, há lugar para
todos. E muitas vezes tornamo-nos uma Igreja de portas abertas, mas para
despedir as pessoas, para condenar as pessoas. Ontem dizia-me um de vós: «Para
a Igreja, este não é o tempo dos despedimentos, mas o tempo do acolhimento».
«Não vieram ao banquete...» – Ide pelas encruzilhadas. Todos, todos! «Mas são
pecadores!» – Todos.
Depois, a segunda
Leitura propôs-nos as palavras de Paulo que, repassando toda a sua vida,
afirma: «combati a boa batalha» (2 Tm 4, 7). O Apóstolo refere-se às
inúmeras situações, às vezes marcadas pela perseguição e a tribulação, em que
não se poupou a anunciar o Evangelho de Jesus. Agora, no final da vida, vê que,
na história, está ainda em curso uma grande «batalha», porque muitos não estão
dispostos a acolher Jesus, preferindo correr atrás dos seus próprios interesses
e doutros mestres mais condescendentes, mais facilitadores, mais conformes à
nossa vontade. Paulo enfrentou o seu combate e, agora que terminou a corrida,
pede a Timóteo e aos irmãos da comunidade para continuarem esta obra com a
vigilância, o anúncio, o ensino; enfim, cada um cumpra a missão que lhe foi
confiada e faça a própria parte.
É uma Palavra de
vida, também para nós, despertando a consciência de que, na Igreja, cada um é
chamado a ser discípulo-missionário e a prestar a sua contribuição. Aqui vêm-me
ao pensamento duas perguntas. A primeira: Que posso fazer eu pela Igreja? Não me
lamentar da Igreja, mas empenhar-me em prol da Igreja. Participar com paixão e
humildade: com paixão, porque não devemos ficar espectadores passivos; com
humildade, porque envolver-se na comunidade nunca deve significar ocupar o
centro do palco, nem se sentir o melhor impedindo aos outros de se aproximarem.
Igreja em processo sinodal significa isto: todos participam, mas ninguém no
lugar dos outros ou acima dos outros. Não há cristãos de primeira e segunda
classe; mas todos, todos são chamados.
Entretanto participar
significa também continuar aquela «boa batalha» de que fala Paulo. Trata-se
realmente duma «batalha», porque o anúncio do Evangelho não é neutral – por
favor! Que o Senhor nos livre de destilar o Evangelho para o tornar neutral: o
Evangelho não é água destilada –, não deixa as coisas como estão, não aceita a
cedência às lógicas do mundo, mas acende o fogo do Reino de Deus lá onde, ao
contrário, reinam os mecanismos humanos do poder, do mal, da violência, da
corrupção, da injustiça, da marginalização. Desde que Jesus Cristo ressuscitou,
agindo como linha divisória da história, «começou uma grande batalha entre a
vida e a morte, entre esperança e desespero, entre resignação ao pior e luta
pelo melhor, uma batalha que não conhecerá tréguas até à derrota definitiva de
todas as forças do ódio e da destruição» (C. M. Martini, Homilia na Páscoa
da Ressurreição, 04/IV/1999).
Vimos a primeira
pergunta; agora a segunda: Que podemos fazer juntos, como Igreja, para tornar o
mundo em que vivemos mais humano, mais justo, mais solidário, mais aberto a
Deus e à fraternidade entre os homens? Certamente não devemos fechar-nos nos
nossos círculos eclesiais nem nos perder em certas discussões estéreis. Cuidado
para não cairdes no clericalismo; o clericalismo é uma perversão. O ministro
que se faz clerical adotando atitudes clericais, embocou um caminho errado;
pior ainda são os leigos clericalizados. Estejamos atentos a esta perversão que
é o clericalismo. Ajudemo-nos a ser fermento na massa do mundo. Juntos, podemos
e devemos fazer gestos cuidadores a bem da vida humana, da tutela da criação,
da dignidade do trabalho, dos problemas das famílias, da condição dos idosos e
de quantos se veem abandonados, rejeitados e desprezados. Enfim, ser uma Igreja
que promove a cultura do cuidado, da ternura, a compaixão pelos frágeis e a
luta contra toda a forma de degradação, incluindo a das nossas cidades e dos
lugares que frequentamos, para resplandecer na vida de cada um a alegria do
Evangelho: esta é a nossa «batalha», este é o nosso desafio. As tentações para
ficar no passado são muitas; a tentação da nostalgia que nos faz olhar para
outros tempos como sendo melhores. Por favor, não caiamos no saudosismo, neste
saudosismo de Igreja que está na moda hoje.
Irmãos e irmãs, hoje,
segundo uma bela tradição, benzi os Pálios para os Arcebispos Metropolitas
recém-nomeados, muitos dos quais participam na nossa celebração. Em comunhão
com Pedro, são chamados a «erguer-se depressa», não dormir, para ser sentinelas
vigilantes do rebanho. Levanta-te para «combater a boa batalha», nunca
sozinhos, mas com todo o santo Povo fiel de Deus. E como bons pastores devem
estar à frente do povo, no meio do povo e atrás do povo, mas sempre com o santo
povo fiel de Deus, porque fazem parte do santo povo fiel de Deus. De coração,
saúdo a Delegação do Patriarcado Ecuménico, enviada pelo querido irmão
Bartolomeu. Obrigado! Obrigado pela vossa presença e pela mensagem de
Bartolomeu! Obrigado! Obrigado por caminhar juntos, porque, só juntos, podemos ser
semente de Evangelho e testemunhas de fraternidade.
Pedro e Paulo
intercedam por nós, intercedam pela cidade de Roma, intercedam pela Igreja e
pelo mundo inteiro. Amém.
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