Cônego Rui José de Barros Guerreiro
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celebração da Transfiguração do Senhor é um
acontecimento extraordinário na centralidade do mistério pascal de Jesus. Nesta
revelação, “um pedaço de céu na terra”, os apóstolos são testemunhas de
excelência: contemplaram a beleza, a santidade e a glória de Cristo.
Assim
no mistério da cruz, iluminado pela glória do ressuscitado, irão compreender a
fidelidade amorosa de Jesus à vontade do Pai, a novidade do seu messianismo e a
sua entrega incondicional em sacrifício pascal pela salvação de todos. Esta
forte experiência dá aos seus discípulos a sabedoria da cruz e a contemplação
da divindade do crucificado e da Sua vitória. E tornará estes homens frágeis em
audazes servidores do evangelho e doadores de suas vidas na mesma cruz.
A
palavra de Deus para esta celebração usa verbos muito fortes. Um deles é o
verbo ver. Também se usa o contemplar ou olhar. É um dos sentidos fortes em
nossa vida.
No
nosso itinerário de fé, o sentido que mais se nos pede é o ouvir ou escutar. O
ver pertence mais à eternidade. Depois já não faremos mais perguntas porque O
veremos tal qual Ele é.
O
Profeta Daniel vê sinais maravilhosos que revelam a grandeza, a santidade de
Deus, que se centralizam no filho do homem, a quem foi entregue o poder, a
honra e a realeza e que todos os povos irão servir. Ele vê o ponto culminante
da história da salvação, o Reino que jamais passará.
Pedro,
Tiago e João são testemunhas do acontecimento que marca as suas vidas: a
transfiguração. Estes são presenteados com uma maravilhosa manifestação de
Deus. Tal fica gravado nos seus corações e na sua vida e servirá para ser
referência nas horas de humilhação do Seu Mestre e sobretudo da morte na cruz.
E servirá de estímulo no anúncio/testemunho de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e
verdadeiro Homem, morto e ressuscitado. É uma história de amor verdadeiro com o
selo da sua autenticidade: a cruz, fonte de sabedoria e renovação de todas as
coisas. Criação nova amassada no sangue de Cristo e no sopro pentecostal do
Espírito, consequência da entrega de Cristo na cruz.
Hoje
espera-se com ânsia corações apaixonados por Cristo. Que o conheçam
verdadeiramente, na oração constante e permanente, como o respirar. Para tal é
necessário o encontro assíduo com Ele, a escuta ávida dos sinais e da Palavra
do Pai, da docilidade ao Espírito Santo. Uma relação de tu a tu capaz de atrair
as vidas para uma doação incondicional. Se na realidade não formos capazes de O
ver vivo, como Alguém que nos ama, nos interpela em compromisso, então também a
nossa relação com Ele fica em meras recordações de sonho, de ausência de
compromisso, de ausência de entusiasmo. Fica-se por uma vida de sonambulismo,
de comodismo, de indiferença, de preguiça. E por isso o “Levantai-vos e não
temais”.
Iluminados
pelo esplendor do rosto de Cristo também a nossa vida resplandece e fica
transfigurada, capaz de transfigurar outras vidas que passam para a luz, para
glória a que fomos chamados.
A
fé nasce da audição. A nossa fé nasce da escuta da Palavra de Deus. A
capacidade para ouvir nasce no dia do nosso batismo: “efáta: abre-te”.
Despertar o nosso ouvido para a voz maravilhosa de Deus que se revela: “Não foi
seguindo fábulas ilusórias que vos fizemos conhecer o poder e a vinda de Nosso
Senhor Jesus Cristo”.
Ouvir
e aceitar a proposta do Pai: “Este é o meu filho muito amado, no qual pus toda
a minha complacência. Escutai-O”. O que o Pai mais nos pede é que escutemos
Jesus. Ele também O escuta. E escuta sempre deliciando-se na beleza da palavra
de Seu Filho. Escuta nas horas da sua oração: “Pai dou-te graças”, “Pai eu te
louvo”. Escuta nas horas de agonia e cruz com o ouvido mais belo de amor:
“faça-se a Tua vontade”! “Pai perdoa-lhe…”, “Pai, nas tuas mãos entrego o meu Espírito”
E Jesus escuta o Pai com um amor e fidelidade que O comovem: “Este é o meu
Filho muito amado”.
Os
três discípulos escutaram, guardaram, viveram e se tornaram testemunhas. No
Tabor viram coisas belas. No calvário viram a loucura da cruz. Tornaram-se
testemunhas da morte e ressurreição.
Este
é o tempo privilegiado para sermos testemunhas. Nós já temos muito mais que
Pedro, Tiago e João. Temos uma história de amor de mais de 20 seculos com
imensos apaixonados que se envolveram no mesmo projeto. Conhecemos a história
desta família, a Igreja, que ultrapassou crises e dificuldades incríveis.
Conhecemos a força deste amor. Ninguém pode ficar à margem. Para isso basta
deixar-se apaixonar por este Filho que o Pai pede que escutemos, amemos e
sigamos.
A
todos os que viram e ouviram, não lhes foi pedido que assistissem a um belo
espetáculo de mera curiosidade, mas que tal experiência ajudasse no anúncio e
testemunho do mistério da vida e missão de Jesus Cristo.
É
o que se passa com os santos. Eles não recebem experiências fantásticas para se
recolherem no conforto das recordações, ou viverem na segurança da sua
excelência e nos pensamentos da sua invejável santidade. Tais experiências são
proporcionais à enorme tarefa que se lhes é pedida e confiada.
Os
primeiros discípulos iriam ter a enorme tarefa de levar avante o projeto de
Jesus Cristo. Diante de imensas e difíceis dificuldades, frente a um mundo
hostil, agressivo, não tiveram medo de calcorrear caminhos. Gravaram na mente e
no coração o “levantai-vos e não temais”.
Também não tiveram medo da sua pequenez e fragilidade porque iam em nome
de Cristo e no dinamismo do seu amor: “Não fostes vós que me escolhestes. Fui
eu que vos escolhi e vos destinei, para que deis fruto e o vosso fruto
permaneça”.
Hoje
vivemos também tempos de extrema fúria, radicalismos fanáticos, oposição
ignorante, ventos de ódio, de indiferença e incredulidade. É toda uma onda de
oposição a Deus e ao Seu Cristo. A única atitude vencedora é a sabedoria da
Cruz que leva em si a glória do Ressuscitado, pois é a expressão de amor total
e da vitória definitiva desse amor.
Não
há testemunho sem apaixonados. Não há viragem significativa sem apaixonados da
sabedoria da cruz, e sobretudo do Mestre crucificado. Este estar apaixonado
permite descobrir, porque o amor vê mais longe, os que são preteridos,
esquecidos, abandonados, os que sofrem. Esse estar apaixonado, como S. João da
Cruz dizia: “o amor não cansa nem se cansa”. Nas horas de êxito ou de aparente
fracasso: “Levantai-vos e não temais”.
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