Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva
A
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beleza da celebração onde acontece uma
ordenação presbiteral é revestida de um esplendor todo particular: os cantos
que enaltecem a bondade do Salvador por haver deixado à sua Igreja tão precioso
e necessário dom; a procissão que abre a celebração ostentando à frente o
crucifixo que nos faz lembrar do infinito amor de Deus pela humanidade,
chegando até mesmo ao ponto de dar o Filho Unigênito para resgatar a culpa dos
servos pecadores, sinal este que constitui, na espiritualidade sacerdotal, o
cume de toda a vida do sacerdote; o incenso que levanta a fumaça perfumada que
enche o ambiente do doce aroma da natureza e envolve toda a assembleia, quase
como que formando uma única oferta, povo sacerdotal e perfume da natureza,
oferecido a Deus em sua majestade divina. Como é bela a sagrada liturgia
católica! Como é belo o rito da ordenação sacerdotal.
Tal
celebração é composta de diversas partes, cada uma com seu significado e motivo
de ser. Todas elas falam diretamente ao coração do ordenando e de todo o povo
de Deus reunido para celebrar sua misericórdia em dar à Igreja um colaborador
necessário e um servo de todos. Dentre tantos ritos significativos, desejando
oferecer uma visão espiritual que contribua para a maior compreensão do sublime
mistério que é o sacerdócio e da graça excelsa que reveste o ministro sagrado,
tomaremos três momentos específicos, capazes de compendiar a mística e a beleza
do sacerdócio de Cristo dado em dom aos homens por ele chamados: o chamado do
candidato, a prostração e a amarração das mãos.
Terminada
a proclamação do Evangelho, procede-se para o chamado e apresentação do
candidato ao sacerdócio. Tal gesto poderia ser visto até mesmo como
dispensável, visto que todos sabem quem é, foram àquela celebração
especificamente porque era aquele jovem a ser ordenado. Dois são os motivos
para o chamado e a resposta do candidato neste momento da ordenação, sendo que
o primeiro se identifica apenas com o caráter jurídico que o rito reveste, tendo
em vista que o sacerdote é um representante da Igreja ele é devidamente
apresentado ao povo que estará sob sua guarda, ainda que apenas no nível
espiritual. O Segundo é o que nos interessa mais. Em uma das obras de maior
importância na mística hebraica chamada Sefer haBahir, uma das questões a que
se procura resposta é a interrogação acerca do motivo de Deus ter modificado o
nome do Patriarca iniciador do Povo de Israel, de Abrão para Abraão (cfr. Gn 17, 5), e a resposta que é dada
afirma que a diferença dos nomes se dá pela introdução da letra he no nome de
Abraão (Abraham), que é uma das
letras que compõem o nome divino (YHWH)
relado a Moisés junto da sarça ardente (cfr.
Ex 3, 15), o que indica que Abraão, à partir daquele momento se tornava
consagrado a Deus, levando o sigilo do seu próprio nome em si. Algo semelhante
acontece na ordenação do sacerdote. Ele é assumido totalmente por Deus para
cuidar apenas das suas coisas (cfr. Hb 5,
1), mas não como apenas um homem, mas como um homem consagrado e que se torna
portador do sagrado na própria vida, existindo para cuidar das coisas que se
referem a Deus em favor dos homens. Assim, a pronúncia do nome do candidato ao
sacerdócio adquire um significado que chega ao limiar do que nos afirma o
Senhor através dos profetas: “Antes que no seio
fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia
consagrado, e te havia designado profeta das nações” (Jr 1, 5); “Ouvi então a voz do Senhor que dizia: Quem enviarei eu? E quem irá
por nós? Eis-me aqui, disse eu, enviai-me” (Is 6, 8).
A segunda
parte fundamental do rito é o da prostração acompanhado da Ladainha da Todos os
santos. Neste momento, aquele que deve ser ordenado sacerdote deita no chão com
o rosto voltado para a terra. Este sinal é um dos mais intensos do rito. Com
ele se quer explicitar que aquele homem, que todos conhecem, que conviveu com
muitos, que trabalhou no mundo, que estudou no mundo e viveu no mundo não
pertence mais ao mundo, está morto para o mundo assim como o mundo está morto para
ele. Claro, não se entende aqui uma alienação intelectual ou social, mas a
realização ontológica do que afirmava São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida
presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou
por mim” (Gl 2, 20). O ordenando não mais se pertence, se dá
inteiramente como propriedade a Deus, que dele pode dispor como entender. “Há algo impressionante na prostração dos ordenados: é o símbolo da
submissão total diante da majestade de Deus, da sua abertura total à ação do
Espírito Santo descendo sobre eles como o arquiteto da sua consagração” (São
João Paulo II, Dom e mistério, IV). Enquanto o candidato se prostra,
a Igreja reunida para celebrar se une à Igreja triunfante no céu para
interceder pelo novo ministro sagrado que está sendo gerado, reunindo orações,
súplicas e méritos, que são apresentados diante do trono de Deus Todo-Poderoso,
clamando que faça brotar nele a morte que realiza a vida, como no Cristo
Sumo-Sacerdote.
O terceiro
elemento do rito que tomamos em particular – ainda que presente apenas em alguns lugares, como o Brasil
– complementa e porta à plenitude o anterior. Após a unção das mãos com o óleo
do Crisma, o sacerdote ordenado tem suas mãos envolvidas e amarradas com uma
faixa de linho branco. O gesto de ter as mãos amarradas indica de forma clara o
seguimento de Jesus, mantendo-se unido a ele, e apenas a ele, qual consequência
da morte a que se submeteu na prostração. Escreve o, então, Cardeal Ratzinger: “As mãos estão ligadas: eu não pertenço mais a mim mesmo. Pertenço
a ele e, através dele, aos outros. O seguimento é também disponibilidade ao ser
ligado, à definitividade, assim como ele se ligou definitivamente a nós. As
mãos ligadas são, na verdade, mãos abertas, mãos estendidas, como diz o
Evangelho. A coragem de uma ligação definitiva, de um sim integral: isto é o
seguimento” (Servitori dela vostra gioia. Opera Omnia, 555). Tal
seguimento se torna também eco do convite de Cristo a Pedro na beira do Lago da
Galileia, onde o Senhor preparava o filho de Jonas, ligando-o a si de forma
estreita, para depois permitir que outros o ligassem e o levassem para onde ele
não gostaria de ir (cfr. Jo 21, 18).
Como a Pedro, também ao sacerdote, totalmente ligado e amarrado, por amor, a
ele, o Senhor Jesus convida a tomar parte da sua vida em prol da humanidade,
dirigindo-lhe as mesmas palavras que ao pescador galileu: “Me amas? Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 17).
O
sacerdócio fulge assim como uma união íntima de amor com Jesus, onde se morre
para se esvaziar da própria vida e dar espaço para a vida de Cristo,
tornando-se assim imagem viva e presente do Senhor no meio do seu povo, que é a
Igreja, dando-se a todos por amor a todos e no amor maior por Jesus. Amor imenso
é o amor que se consome no infinito, dando nada mais que a miséria da própria
pequenez e colhendo salvação para todos os irmãos. Eis a vocação do sacerdote.
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