sábado, 26 de janeiro de 2019

A espiritualidade da ordenação sacerdotal




Pe. Everton Vicente Barros
Comunidade Católica Palavra Viva

A
 beleza da celebração onde acontece uma ordenação presbiteral é revestida de um esplendor todo particular: os cantos que enaltecem a bondade do Salvador por haver deixado à sua Igreja tão precioso e necessário dom; a procissão que abre a celebração ostentando à frente o crucifixo que nos faz lembrar do infinito amor de Deus pela humanidade, chegando até mesmo ao ponto de dar o Filho Unigênito para resgatar a culpa dos servos pecadores, sinal este que constitui, na espiritualidade sacerdotal, o cume de toda a vida do sacerdote; o incenso que levanta a fumaça perfumada que enche o ambiente do doce aroma da natureza e envolve toda a assembleia, quase como que formando uma única oferta, povo sacerdotal e perfume da natureza, oferecido a Deus em sua majestade divina. Como é bela a sagrada liturgia católica! Como é belo o rito da ordenação sacerdotal.

Tal celebração é composta de diversas partes, cada uma com seu significado e motivo de ser. Todas elas falam diretamente ao coração do ordenando e de todo o povo de Deus reunido para celebrar sua misericórdia em dar à Igreja um colaborador necessário e um servo de todos. Dentre tantos ritos significativos, desejando oferecer uma visão espiritual que contribua para a maior compreensão do sublime mistério que é o sacerdócio e da graça excelsa que reveste o ministro sagrado, tomaremos três momentos específicos, capazes de compendiar a mística e a beleza do sacerdócio de Cristo dado em dom aos homens por ele chamados: o chamado do candidato, a prostração e a amarração das mãos.

Terminada a proclamação do Evangelho, procede-se para o chamado e apresentação do candidato ao sacerdócio. Tal gesto poderia ser visto até mesmo como dispensável, visto que todos sabem quem é, foram àquela celebração especificamente porque era aquele jovem a ser ordenado. Dois são os motivos para o chamado e a resposta do candidato neste momento da ordenação, sendo que o primeiro se identifica apenas com o caráter jurídico que o rito reveste, tendo em vista que o sacerdote é um representante da Igreja ele é devidamente apresentado ao povo que estará sob sua guarda, ainda que apenas no nível espiritual. O Segundo é o que nos interessa mais. Em uma das obras de maior importância na mística hebraica chamada Sefer haBahir, uma das questões a que se procura resposta é a interrogação acerca do motivo de Deus ter modificado o nome do Patriarca iniciador do Povo de Israel, de Abrão para Abraão (cfr. Gn 17, 5), e a resposta que é dada afirma que a diferença dos nomes se dá pela introdução da letra he no nome de Abraão (Abraham), que é uma das letras que compõem o nome divino (YHWH) relado a Moisés junto da sarça ardente (cfr. Ex 3, 15), o que indica que Abraão, à partir daquele momento se tornava consagrado a Deus, levando o sigilo do seu próprio nome em si. Algo semelhante acontece na ordenação do sacerdote. Ele é assumido totalmente por Deus para cuidar apenas das suas coisas (cfr. Hb 5, 1), mas não como apenas um homem, mas como um homem consagrado e que se torna portador do sagrado na própria vida, existindo para cuidar das coisas que se referem a Deus em favor dos homens. Assim, a pronúncia do nome do candidato ao sacerdócio adquire um significado que chega ao limiar do que nos afirma o Senhor através dos profetas: “Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado, e te havia designado profeta das nações” (Jr 1, 5); “Ouvi então a voz do Senhor que dizia: Quem enviarei eu? E quem irá por nós? Eis-me aqui, disse eu, enviai-me” (Is 6, 8).

A segunda parte fundamental do rito é o da prostração acompanhado da Ladainha da Todos os santos. Neste momento, aquele que deve ser ordenado sacerdote deita no chão com o rosto voltado para a terra. Este sinal é um dos mais intensos do rito. Com ele se quer explicitar que aquele homem, que todos conhecem, que conviveu com muitos, que trabalhou no mundo, que estudou no mundo e viveu no mundo não pertence mais ao mundo, está morto para o mundo assim como o mundo está morto para ele. Claro, não se entende aqui uma alienação intelectual ou social, mas a realização ontológica do que afirmava São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2, 20). O ordenando não mais se pertence, se dá inteiramente como propriedade a Deus, que dele pode dispor como entender. “Há algo impressionante na prostração dos ordenados: é o símbolo da submissão total diante da majestade de Deus, da sua abertura total à ação do Espírito Santo descendo sobre eles como o arquiteto da sua consagração” (São João Paulo II, Dom e mistério, IV). Enquanto o candidato se prostra, a Igreja reunida para celebrar se une à Igreja triunfante no céu para interceder pelo novo ministro sagrado que está sendo gerado, reunindo orações, súplicas e méritos, que são apresentados diante do trono de Deus Todo-Poderoso, clamando que faça brotar nele a morte que realiza a vida, como no Cristo Sumo-Sacerdote.

O terceiro elemento do rito que tomamos em particular – ainda que presente apenas em alguns lugares, como o Brasil – complementa e porta à plenitude o anterior. Após a unção das mãos com o óleo do Crisma, o sacerdote ordenado tem suas mãos envolvidas e amarradas com uma faixa de linho branco. O gesto de ter as mãos amarradas indica de forma clara o seguimento de Jesus, mantendo-se unido a ele, e apenas a ele, qual consequência da morte a que se submeteu na prostração. Escreve o, então, Cardeal Ratzinger: “As mãos estão ligadas: eu não pertenço mais a mim mesmo. Pertenço a ele e, através dele, aos outros. O seguimento é também disponibilidade ao ser ligado, à definitividade, assim como ele se ligou definitivamente a nós. As mãos ligadas são, na verdade, mãos abertas, mãos estendidas, como diz o Evangelho. A coragem de uma ligação definitiva, de um sim integral: isto é o seguimento” (Servitori dela vostra gioia. Opera Omnia, 555). Tal seguimento se torna também eco do convite de Cristo a Pedro na beira do Lago da Galileia, onde o Senhor preparava o filho de Jonas, ligando-o a si de forma estreita, para depois permitir que outros o ligassem e o levassem para onde ele não gostaria de ir (cfr. Jo 21, 18). Como a Pedro, também ao sacerdote, totalmente ligado e amarrado, por amor, a ele, o Senhor Jesus convida a tomar parte da sua vida em prol da humanidade, dirigindo-lhe as mesmas palavras que ao pescador galileu: “Me amas? Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21, 17).

O sacerdócio fulge assim como uma união íntima de amor com Jesus, onde se morre para se esvaziar da própria vida e dar espaço para a vida de Cristo, tornando-se assim imagem viva e presente do Senhor no meio do seu povo, que é a Igreja, dando-se a todos por amor a todos e no amor maior por Jesus. Amor imenso é o amor que se consome no infinito, dando nada mais que a miséria da própria pequenez e colhendo salvação para todos os irmãos. Eis a vocação do sacerdote.

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