Dom Carlos Silva - Bispo Auxiliar de São Paulo
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Tempo Comum, na liturgia, nos permite
contemplar o extraordinário no ordinário e nos ensina, a partir da vida de
Jesus, um caminho de aprendizado e esperança. E o ensinamento que Ele nos propõe,
neste 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM, é o exercício do perdão.
As
leituras mostram que o ato de perdoar é uma forma de expressar o amor. A
primeira leitura, do livro do Eclesiástico, apresenta um ensinamento prático: engana-se
quem pensa que a sabedoria está em deixar-se consumir pelos sentimentos de
rancor, raiva ou vingança. O autor sagrado destaca que ser sábio é justamente
fazer o contrário, isto é, saber perdoar e compadecer-se do próximo. E esse
exercício do perdão se relaciona diretamente ao perdão de Deus. Ele se
pergunta: “se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a
cura?” (Eclo, 28,3). Pelo contrário, quem perdoa a ofensa alheia, recebe
para si o perdão divino. Por isso, como o autor exorta, devemos nos recordar
sempre do nosso fim, perseverar nos mandamentos e não nutrir em nosso coração esses
sentimentos que nos desumanizam. Nossas relações humanas devem nos conduzir ao
que é bom e, certamente, isso passa pelo perdão e pela compaixão. Só assim a
confiança no perdão de Deus começará a ser possível, visto que, como descreve o
Salmo 102(103), o Senhor é bondoso, compassivo e carinhoso.
No
Evangelho, São Mateus dirige o discurso a toda Igreja, aos discípulos de ontem
e hoje. A antiga tradição religiosa de Israel ensinava o perdão ao próximo em
ocasiões específicas, restrito a alguns casos limitados. Pedro pergunta a Jesus
quantas vezes era preciso perdoar o seu irmão, até sete vezes? (Mt, 18,21).
Lembrando que, na Bíblia, o número “sete” indica também a totalidade. Cristo
vai além do ensinamento da tradição judaica e responde: “não te digo até sete
vezes, mas até setenta vezes sete” (Mt, 18,22), quer dizer, o perdão
precisa ser dado a todos, sem restrição, de modo contínuo e ilimitado. Em
seguida, Jesus narra aos discípulos a parábola do patrão e seus empregados para
ilustrar como a misericórdia de Deus é infinita. O empregado implora ao patrão
e recebe dele o perdão de sua dívida, mas, quando deveria fazer o mesmo com seu
próximo, é incapaz de agir com a mesma compaixão que recebeu. Essa atitude
indigna o patrão, que alerta ao empregado e a todos nós sobre o verdadeiro exercício
da compaixão e da misericórdia, tal como as recebemos infinitamente do nosso
Pai.
No
entanto, sabemos que, no dia a dia, o ato de perdoar os irmãos e irmãs nem
sempre segue a mesma lógica da infinitude e da gratuidade. Muitas vezes, quando
somos tomados por sentimentos de ira, rancor, ódio, vingança, afastamo-nos
daquilo que Deus espera de nós: ser a expressão de seu amor misericordioso e perdoar
nosso próximo infinitamente. O perdão é uma tarefa diária, exige conversão e
oxigena nossa vida de fé. No exercício do perdão, tal como Jesus, transformamos
nossa condição humana frágil em expressão concreta do amor de Deus, que nos
pede sempre abertura ao outro, a bondade, a fraternidade e vida em comunhão.
Portanto, que o Senhor nos conceda a graça de perdoar sempre, mesmo aqueles
que, por qualquer eventualidade, possam ter nos magoado ou ofendido, pois é
somente com o coração perdoado que iremos promover uma cultura de paz, de
fraternidade e ser a expressão do amor misericordioso do Pai.
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