Maria Clara
Lucchetti Bingemer
Professora
do Departamento de Teologia da PUC-Rio
O
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Vaticano divulgou o documento preparatório do
próximo Sínodo dos Bispos, previsto para outubro de 2014. Neste texto, que
deverá ser trabalhado em várias instâncias da comunidade eclesial, Roma propõe
pautas de reflexão sobre a instituição familiar. Estas depois serão
encaminhadas aos padres sinodais, que terão, assim, oportunidade de escutar as
bases da Igreja sobre a temática do Sínodo.
O documento começa destacando os problemas
“inéditos” sobre a família e o casamento que a Igreja tem de enfrentar hoje.
Não é de admirar que por aí comecem as preocupações do Vaticano. Nos últimos
tempos, poucas instituições têm conhecido tão profundas e radicais mudanças
como esta que, para a Igreja, sempre foi a célula mater da evangelização.
O texto, apresentado em seis línguas, declara
em sua parte inicial: “Hoje se perfilam problemáticas até há poucos anos
inéditas, desde a difusão dos casais de fato, que não acedem ao matrimônio e às
vezes excluem esta própria idéia, até as uniões entre pessoas do mesmo sexo, às
quais não raramente é permitida a adoção de filhos”.
Embora reafirme as linhas de força do
ensinamento tradicional católico sobre a família, qual sejam: o matrimônio
indissolúvel e a primordialidade da procriação como fim do casamento entre o
homem e a mulher, sente-se um tom de maior abertura e uma atitude de maior
escuta do que em ocasiões anteriores.
Sem afastar-se daquilo que considera pontos
não negociáveis de sua doutrina sobre o matrimônio e a família, a Igreja
demonstra preocupação com os fiéis que, por viverem situações matrimoniais e
familiares irregulares, encontram-se afastados dos sacramentos.
Alude, por exemplo, ao fato de que muitos
adolescentes e jovens, “nascidos de matrimônios irregulares”, poderão “nunca
ver os seus pais aproximar-se dos sacramentos”. E declara que “na época em que
vivemos, a evidente crise social e espiritual torna-se um desafio pastoral, que
interpela a missão evangelizadora da Igreja para a família, núcleo vital da
sociedade e da comunidade eclesial”. A partir daí, o documento salientae a
importância do desafio que a partir da família é apresentado hoje à Igreja para
realizar sua missão de evangelizar.
O texto deixa transpirar ainda uma
preocupação evidente com o sofrimento que muitos católicos, vivendo em situação
matrimonial e familiar irregular, experimentariam pelo fato de não poderem se
aproximar dos sacramentos. A preocupação de que isso os faça sentir-se
marginalizados deixa entrever a esperança de que o Sínodo se empenhará por
encontrar vias de solução para tal problema, flexibilizando uma atitude que até
os dias de hoje nunca admitiu muitos questionamentos.
Alude ainda a “situações matrimoniais
difíceis”, como a convivência ‘ad experimentum’ (experimental), as “uniões
livres de fato”, os “separados e os divorciados recasados”, para perguntar –
com preocupação maternal - “como vivem os batizados a sua irregularidade”. E pergunta-se ainda se a simplificação do
processo de reconhecimento da “nulidade do vínculo matrimonial” poderia
oferecer uma “contribuição positiva real para a solução das problemáticas das
pessoas interessadas”.
Há um ponto, porém, que me parece central na
reflexão que o Sínodo possa fazer sobre a família. Trata-se da identidade desta
instituição que é chamada a entrar em diálogo com a Igreja. Esta, investida da
missão de proclamar a Boa Notícia do Evangelho, está hoje mais que nunca
chamada a não esquecer que a família não existe para si mesma ou para
construir-se e comprazer-se na sua própria excelência comunitária. Embora os
laços afetivos e a convivência relacional sejam fundamentais para o crescimento
pessoal, o equilíbrio emocional e a realização das plenas potencialidades dos
membros do núcleo familiar, toda família estará fracassando em sua vocação não
apenas cristã, mas humana, se sucumbir à tentação do modelo burguês, fechado em
si mesmo, confinado à esfera do privado, instaurando uma dicotomia malsã entre
o privado do interior do lar e a dimensão pública do mundo e da sociedade.
A família existe no mundo e para o mundo. E é
atenta às necessidades e prioridades deste mundo e desta sociedade que deve
desenvolver sua identidade e suas prioridades formativas e ativas. A família
não é um fim em si mesma, mas existe para que o mundo seja melhor e mais
humano. O documento de preparação nos permite esperar que este ponto forme
parte integral e constitutiva do acontecimento sinodal que acontecerá em
outubro próximo.
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