Se você prestar atenção no tempo que consegue conversar
com seus amigos e familiares sem falar a respeito do trabalho que realiza ou de
situações relacionadas a ele, fica fácil perceber se está vivendo para
trabalhar ou trabalhando para viver.
Dijanira Silva
Missionária da Comunidade Canção Nova
Apresentadora da Rádio CN América (SP)
A
|
Palavra de Deus, em Eclesiástico 3, afirma que
“grande
sabedoria é viver bem cada coisa a seu tempo”. Com relação ao trabalho,
creio que não é diferente. Precisamos ser bons profissionais, cumprindo com
responsabilidade nossa missão, mas também devemos ter o discernimento e a
coragem de separar “as coisas”, deixando o que é próprio do trabalho, no seu
setor, e levando para casa somente seus bons frutos. E não é que seja proibido
falar com quem convivemos a respeito das nossas lutas e vitórias vivenciadas no
trabalho, a questão está no equilíbrio com que lidamos com isso.
Na Comunidade Canção Nova, da qual faço
parte, vivemos algo que considero interessante nesse sentido. Naturalmente,
também nós missionários, quando voltamos para casa, depois de um dia de
atividades, temos a tendência de continuar falando a respeito do que vivemos em
cada setor da missão. Porém, monsenhor Jonas [fundador da comunidade] nos ensina que, quando agimos assim, é
como se não nos desligássemos do trabalho e não conseguíssemos descansar nem
viver tantas outras coisas boas que a vida fraterna tem a nos oferecer. Com
isso, quando percebemos que o centro de nossas conversas está sendo o trabalho,
alguém do grupo deve ter a iniciativa de mudar de assunto até que os demais o
acompanhe. É que existe um tempo para cada coisa: “tempo para trabalhar e tempo para
descansar”. Se continuarmos, no tempo de descanso, a nos referir ao
trabalho, poderemos até ser refeitos no físico, mas a cabeça continuará
trabalhando e, consequentemente, virá o desgaste geral. Será que não é essa a
razão pela qual temos encontrado tantas pessoas cansadas?
Admiro quem trabalha com dedicação e ama o
que faz. Eu mesma sinto-me privilegiada por fazer o que gosto, mas uma coisa é
certa: preciso estar atenta para separar o que faço do que sou, pois sei que,
quando nos identificamos demais com o que fazemos, podemos facilmente nos
esquecer de quem somos, e isso é um sério problema.
Se nos esquecermos da nossa real identidade
de filhos amados de Deus, passaremos a nos autoidentificar e valorizar por
aquilo que fazemos e possuímos, e, muitas vezes, dessa atitude nascerá o
desequilíbrio com relação ao “viver para trabalhar”. A pessoa
foca seu esforço em ‘ter cada vez mais’, pensa que, aí, está o seu valor, por isso
trabalha, cada vez mais, sem nem mesmo perceber que está vivendo cada vez menos.
Muitos de nós já descobrimos que as coisas
que realmente valem a pena, nesta vida, não têm preço. Outro dia, li um relato
que me fez pensar sobre isso. A história falava de um menino que sentia a falta
do pai, pois este estava trabalhando cada vez mais e ficando cada vez menos em
casa. O pai pensava estar fazendo o bem para sua família, dando-lhe um melhor “padrão”
de vida com sua exigente profissão, mas era um grande engano. O filho mais novo
sentia tanto sua falta que, certa noite, quando ele voltara tarde para casa,
perguntou-lhe: “Papai, quanto você ganha por hora no trabalho?”. O pai ficou
aborrecido com a pergunta, mas, enfim, respondeu. A partir daquele dia, o
menino começou a guardar todo dinheiro que ganhava até chegar ao valor
equiparado a um hora de serviço de seu pai. Depois, o chamou para brincar e foi
logo avisando: “não se preocupe com o tempo papai, eu lhe pagarei o valor de uma hora
para brincar comigo”. Abrindo uma pequena caixa, na qual havia guardado
as moedas, entregou o dinheiro ao pai, que, já em lágrimas, pediu que
explicasse como o havia conseguido.
O garoto explicou que estava juntado todo o
dinheiro que ganhou por várias semanas, inclusive o doado pelo próprio pai. Não
sei se a história é real, mas fico imaginando como ficou o coração daquele
homem e qual foi atitude dele a partir daquele dia.
Na Carta Encíclica Laborem exercens, São João
Paulo II esclarece que o trabalho é uma das características que distinguem o
homem do resto das criaturas, pois somente ele tem a capacidade para
realizá-lo, preenchendo, ao mesmo tempo, a sua existência sobre a Terra. Este é
o meio pelo qual o homem deve procurar o pão cotidiano, ou seja, o trabalho é
sinal de bênção e merece ser valorizado.
Todos nós sabemos que é graças ao empenho e
dedicação de tantos homens e mulheres trabalhadores, ao longo dos tempos, que,
hoje, temos condições de vida bem melhores do que nossos antepassados. O que
não nos convém é permitirmos que a cultura do consumismo nos domine e nos leve
a fazer de nossa atividade profissional o centro de nossa vida.
Acredito que seja oportuno, hoje, pensar a
respeito do lugar que o trabalho tem ocupado em sua vida e quais são os frutos
que ele tem lhe proporcionado. Considerando que vai permanecer, no fim de tudo,
o amor que damos e recebemos, não tenhamos medo de fazer escolhas que irão nos
proporcionar viver bem para trabalhar melhor, deixando nossa marca de sucesso
não apenas no mercado, mas, principalmente, no coração que Deus lhe confiar,
por onde passar, inclusive dentro de sua própria casa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Informe sempre no final do seu comentário o seu nome e a sua Cidade.