*Dom Eugênio de Araújo Sales |
A
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ntes de falecer, dom Eugênio de Araújo Sales, afirmou que a valorização do leigo na vida
eclesial foi uma das mais importantes contribuições do Concílio Vaticano II à
vida religiosa.
Com a aprovação do documento "Apostolicam Actuositatem" na oitava sessão do Concílio Vaticano II, em 18 de novembro de 1965. Abriu-se grandes perspectivas,
possibilitando maior e benéfica atuação do laicato. Entre inúmeras atividades e
novos campos de trabalho, estão as pequenas comunidades de base. Nelas, o fiel,
fundamentado na leitura e reflexão da Palavra de Deus, aperfeiçoa sua missão,
decorrente do Batismo, da Confirmação e de contato mais vivo, frutuoso com os
irmãos, pela facilidade de estabelecerem relações entre grupos menores. O
anonimato dos maiores aglomerados, mesmo dentro de um mesmo templo e paróquia,
cede espaço ao acolhimento e mútuo conhecimento. Disse o Santo Padre Bento XVI:
"A paróquia é um lugar privilegiado (...) Por Isso, é oportuna a formação
de comunidades e de grupos eclesiais de tal dimensão, que permitam estabelecer
verdadeiras relações humanas".
Esses novos horizontes que foram criados,
devem ser constantemente conferidos com a doutrina. As interpretações pessoais,
particulares, mesmo oriundas de cristãos zelosos e de elevado nível, sempre
estão sujeitas ao Magistério vivo, deixado por Cristo, para governar a obra que
fundou. O entusiasmo pelo novo, a descoberta de outros horizontes, pode ser
destrutivo quando insinua edificar uma Igreja sem claro reconhecimento da
hierarquia.
Ela é a expressão da estrutura divina da
Igreja. Jesus Cristo, como homem, embora sendo Senhor, vive sob o olhar do Pai;
quer fazer sempre a vontade de quem O enviou: "Pai, se é de teu agrado
(...) Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua" (Lc 22,42). Seu último testemunho é a
entrega obediente, aceitando a Cruz. Ele quer que sua obra seja o exemplo que
nos legou. Devemos ser testemunhas do Senhor Jesus, no Espírito Santo (cfr Jo 15, 26s). Fiel a essa exigência,
São Paulo assim se expressa: "Sede meus imitadores, como eu mesmo o sou de
Cristo" (1 Cor 11,1).
Essa estrutura hierárquica estabelecida por
Cristo, como fundamento de sua Igreja, não se confunde com o conceito
monárquico nem democrático. Qualquer paradigma sócio-político é inadequado. A
autoridade da mesma não é fundada na convergência da vontade popular. Esta
merece apreço, mas não se torna por si mesma, sinal de veracidade ou exigência
a ser cumprida.
Acresce que a expressão "Povo de
Deus" não é a única imagem a revelar a essência da instituição fundada por
Jesus. Há diversas outras, de igual valor, que se completam para nos mostrar a
riqueza do ensinamento divino. Ver a Igreja como Corpo Místico de Cristo é
fundamental para entendê-la e nos ajuda a obedecer aos que foram chamados a
governar esse mesmo Povo de Deus. Jesus a comparou a um rebanho com o pastor.
Ela é um serviço à comunidade. Trata-se da presença amorosa do Divino Redentor.
Conserva essa característica mesmo quando corrige ou pune. Isto, quando assim o
exige o bem comum ou o proveito do próprio fiel. São Paulo, que tanto exalta a
santidade dos leigos pela habitação do Espírito Santo, com não menor clareza
propõe e impõe o dever que o Senhor lhe deu: "Em nome de Cristo, exercemos
a função de embaixadores e, por nosso intermédio, é Deus mesmo que vos
exorta" (2 Cor 5,20). No uso
dessa autoridade, o Apóstolo chega a excluir alguém da comunidade dos fiéis (Cfr 1 Cor 5,2-12): O Sacerdócio
ministerial , em nome e com o poder de Jesus Cristo, recebeu o encargo de
"formar e reger o Povo de Deus" ("Lumen
Gentium" 10,2).
O cristão batizado que recebeu o sacramento
da Ordem desde que viva em comunhão com o Papa, Sucessor de Pedro, e o Colégio
Episcopal, continuador dos Apóstolos dá à comunidade a chancela de
autenticidade cristã. E leva ao Povo de Deus a graça divina, pelos sacramentos.
Seus gestos e palavras sacramentais são realmente poder redentor de Cristo no
meio do povo.
À luz dessa doutrina católica o verdadeiro
fiel proclama a importância do leigo e das organizações laicais. Ela em nada
diminui a vitalidade e o valor dos mesmos, pois somente pela inserção na árvore
que é Cristo, poderá produzir frutos duradouros. Nós queremos a Igreja conforme
Jesus a organizou e não segundo o parecer e interpretações dos homens. Todo
ensino discordante do que vem do Senhor através do Magistério, deve ser
corrigido. Calar-se diante dele é atraiçoar a missão confiada por Jesus aos
pastores de seu rebanho. As afirmações, mesmo parcialmente inexatas são,
talvez, mais danosas que o próprio erro integral, pela facilidade de serem
aceitas, acobertadas em parcelas de verdade. Assim, cita-se o Concílio
Ecumênico, mas seu espírito, nos pontos essenciais, é abandonado. Insinua-se,
sob o título "Uma Igreja, Povo de Deus", sem uma autêntica
hierarquia.
Ao proclamar o valor dado hoje ao laicato,
que deve ser firmemente aceito e vivido, não devemos esquecer que, em nossos
dias, não lhes foi outorgado algo de novo, pois sempre na Igreja o leigo ocupou
espaço. Sua participação, isto sim, teve incentivada sua importância nos
desafios dos nossos tempos. O mesmo se diga da posição da Bíblia no crescimento
da vida de cada fiel.
Para nós, católicos, há um ponto de
referência que nos assegura o caminho certo: estar em comunhão com o
Magistério, obedecer às diretrizes do sucessor daquele a quem Cristo confiou a
sua grei: "Pedro (...) apascenta minhas ovelhas" (Jo 21,17).
*Dom Eugênio de Araújo Cardeal Sales, nasceu em Acari, RN, em 8 de
novembro de 1920. Faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 9 de julho de 2012. Foi um
cardeal brasileiro e arcebispo católico do Rio de Janeiro.
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