Gustavo Covarrubias Rodríguez
“A vida é a arte do encontro, embora
haja tantos desencontros pela vida”, dizia o poeta Vinícius de Moraes. Lendo e
meditando o Evangelho, poderíamos dizer, parafraseando esse grande compositor,
que a “vocação cristã é a arte do encontro com a/nossa humanidade, embora haja
tantos ‘desencontros’ na Igreja”...
A
|
passagem de referência, na qual fundamos –
evitando, na medida do possível, o ‘fundamentalismo’ – a afirmação anterior,
são os versículos 35-42, do capítulo I do Evangelho da Comunidade de João. Ela
situa-se entre o testemunho de João Batista e as bodas de Canaã, em meio a uma
série de buscas e encontros, pautados pelas palavras dos envolvidos nessa
dinâmica:
- “Eis
o Cordeiro de Deus”.
Cordeiro é também servo. João, que encontrara o Nazareno fazendo fila no
Jordão, aponta para Jesus, reconhecendo nele o servo sofredor e provocando a
reação de dois discípulos seus. Estes, aceitando o testemunho-provocação do
precursor, por própria iniciativa, vão trás Jesus.
- “O
que vocês estão procurando?”. Acontece outro encontro: os discípulos vão em
frente e Jesus olha pra trás. Convergência: eles vão, Ele vem. O motor que
dinamiza e possibilita a experiência é a busca, a inquietação, o honesto e
sincero desejo de encontrar, a permanente abertura... As primeiras palavras de
Jesus, no Evangelho de João, são uma pergunta radical, sem cuja resposta a vida
carece de sentido!
-
“Mestre, onde moras?”
Surpreendentemente, os discípulos parecem não estar interessados em doutrinas
ou teologias. Não perguntam quem é Jesus, mas onde ele mora, donde ele aprendeu
a ser mestre. Interessa-lhes a vida, com suas riquezas e condicionamentos.
-
“Venham, e vocês verão”. Jesus não indica um lugar fixo, estático, fechado. Nem
cátedras nem catedrais. Exige uma atitude dinâmica, de permanente atenção e de
promessa cumprida no fim de um processo. Ele é o Mestre peregrino, que não tem
onde reclinar a cabeça. É a Palavra que “se fez carne, e habitou entre nós” (Jo
1,14). Sua morada é a humanidade! Só se descobre o “lugar” onde Deus mora humanizando-se!
Só se pode ser discípulo de Jesus sendo cada
vez mais “gente”... André (homem = humanidade) e o outro discípulo
“permaneceram com ele”, a partir daquele encontro, quando o sol começava a
declinar, nas proximidades da noite... Faz-se experiência do encontro na
incerteza do futuro, na assunção do risco, quando as dificuldades batem à
porta, quando o caminho se estreita e o horizonte parece sumir da vista.
Permanência é fidelidade.
- “Nós
encontramos o Messias”. Mais um encontro. A verificação da experiência pessoal
passa pelo crisol da comunidade. Se o encontro é autêntico, outros encontros
acontecerão. O exemplo arrasta!
- “Você
é Simão, o filho de João. Você vai se chamar Cefas”. Encontrando Jesus,
encontrando os outros, encontramo-nos a nós mesmos! Reconhecemos a nossa
identidade e assumimos a nossa missão: inserir-nos na corrente do seguimento e
do testemunho daquele que veio de encontro à nossa humanidade, assumindo-a,
para que todos encontrem nele vida!
-
“Siga-me”. Ai,
sim! Depois de vários encontros, vem a confirmação de um chamado – mandamento
que exige total disponibilidade a fazer caminho... caminhando.
-
“Encontramos aquele de quem Moisés escreveu...”. De encontro em
encontro, a fé nasce, se fortalece e se expressa com autenticidade. Só tem o
legítimo direito de proclamar que o homem histórico chamado Jesus de Nazaré, o
filho do carpinteiro José, é o Servo de Javé, o Mestre e o Senhor, quem
percorreu com Ele o caminho da humanização e quem está disposto a abraçar, como
o sentido da própria caminhada, a tarefa de fazer deste mundo de desencontros
um mundo mais humano!
Muitas vezes o texto em questão foi e
continua sendo alimentando certos fundamentalismos “vocacionais”. Vocação não é
busca de privilégios nem alienação. Vocação, em João, não é fruto de uma
simples experiência particular nem da revelação individual de Deus, mas
processo comunitário. Ela nasce do testemunho daqueles que, buscando
sinceramente, encontraram... E as nossas comunidades cristãs, propiciam
realmente o encontro com a humanidade, o seguimento de Jesus e o
testemunho-missão? Ou tornam-se, cada vez mais, guetos onde a comodidade, o
intimismo e a fuga – camuflagem do desencontro – se refugiam?
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Informe sempre no final do seu comentário o seu nome e a sua Cidade.