terça-feira, 17 de abril de 2018

Justiça suspende PPP da Iluminação Pública de São Paulo




A
 Justiça suspendeu na quinta-feira (12/04/2018) a parceria público-privada (PPP) da iluminação pública da cidade de São Paulo firmada entre a prefeitura e o consórcio FM Rodrigues/CLD. O valor do contrato é de R$ 6,9 bilhões, por 20 anos. A decisão a respeito da ação popular é liminar, portanto, cabe recurso.

Segundo o juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: "A prova que se tem até agora, decorrente dos áudios noticiados pela imprensa, é grave".

Os áudios em questão foram divulgados pela Rádio CBN no mês passado, indicando pagamento de propina do FM Rodrigues/CLD a funcionários do Departamento de Iluminação de São Paulo (Ilume), entre eles a ex-diretora do órgão Denise Abreu. Ela foi afastada pela Prefeitura.

A possibilidade de suspender o contrato já havia sido recomendada pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas do Município. Na ocasião, a prefeitura optou por suspender apenas a instalação das lâmpadas de LED prevista no contrato. Já o acordo de manutenção da iluminação pública foi preservado.

Para o juiz Alberto Alonso Muñoz, da 13ª Vara, o afastamento de Denise e a suspensão da instalação das novas lâmpadas foram insuficientes e a continuidade do contrato viola "frontalmente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência".

No começo de março, antes de anunciar o vencedor da disputa, o então prefeito João Doria (PSDB) afirmou que aquela era "a maior PPP de iluminação do mundo".

Na noite da quinta-feira (12/04), a Prefeitura de São Paulo afirmou que "assim que for notificada", irá recorrer da decisão da Justiça sobre a suspensão da parceria público-privada (PPP). A administração disse por meio de sua assessoria, que o processo correu "dentro da total legalidade" e que a Controladoria Geral do Município instaurou investigação interna a respeito do caso, assim como "está colaborando com o Ministério Público na apuração dos fatos".

MANAUS-AM
A empresa CLD construtora, integrante do consórcio FM Rodrigues, que assinou contrato de parceria público-privada (PPP) de iluminação pública com a Prefeitura de São Paulo, é acusada de participar de desvio de quase R$ 100 milhões da Prefeitura de Manaus, Amazonas.

A CLD e um de seus sócios, Jorge Marques Moura, já tiveram seus bens bloqueados pela Justiça do Amazonas, em 2015, por conta da denúncia de desvio. Na época, a construtora CLD tinha outro nome - Consladel.

Um trecho da decisão que determinou o bloqueio de bens diz que houve "atuação do núcleo político para beneficiar a empresa Consladel". O documento ressalta que, segundo o Ministério Público, "o prejuízo ao erário se deu por meio da contratação da empresa Consladel para a execução de serviços (...) no valor de R$ 92,2 milhões”.

A Consladel, que agora se chama CLD, também é investigada pelo Ministério Público de São Paulo pelo pagamento de propina para uma ex-diretora do Ilume, Departamento de Iluminação Pública da Prefeitura da capital paulista. A empresa teve e sigilo bancário quebrado na investigação. Um de seus sócios, Labib Auad, é quem assina o contrato com a prefeitura paulistana.

Por meio de nota, a CLD Construtora informou que o contrato com a Prefeitura de Manaus teve suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Amazonas. O consórcio FM não quis se manifestar sobre o caso.

A Prefeitura de São Paulo disse que determinou à Secretaria de Serviços e Obras que notifique a concessionária da PPP da iluminação para que se limite a executar os serviços estritamente ligados à manutenção da iluminação pública da cidade, até que seja concluída a investigação em curso na Controladoria geral do município.

O governador do Amazonas, Amazonino Mendes, que era prefeito de Manaus na época da contratação da empresa investigada, disse que esse é um processo antigo em que foi inocentado.


PONTOS POLÊMICOS DA LEI DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS


ORIGEM DAS PPP’S
Consoantes apontamentos de Celso Mello, a Parceria Público-Privada (PPP) trata-se de instituto controvertido, forjado na Inglaterra, ao tempo da Sra. Tatcher, o que fora acolhido entusiasticamente pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Nacional e por eles recomendados como uma espécie de tábua de salvação dos países subdesenvolvidos (MELLO, 2007, p. 743).

O Prof. Alexandre Aragão, citando Vital Moreira, registra que as parcerias público-privadas tiveram origem na inglesa Private Finance Iniciative – PFI, que, vista à luz do Direito Administrativo europeu continental, não passa de uma modalidade da clássica concessão de obras ou de serviços públicos (ARAGÃO, 2005, p. 3).

O citado Mestre ressalta que, no entanto, existe uma novidade substancial na figura do PFI, e chama a atenção para o fato de que “o mecanismo clássico de concessão tinha a ver somente com obras ou serviços onerosos (ou seja, pagos pelos utentes mediante taxas ou tarifas de utilização)”, ao passo em que na PFI o investimento do concessionário é amortizado e remunerado pelos rendimentos da sua exploração (ARAGÃO, 2005, p. 3-4).  

Segundo o referido autor, mediante a concessão o Poder Público dispensava-se de qualquer envolvimento financeiro, recebendo no final da concessão a obra ou serviço em funcionamento, livre de encargos (em princípio), assim, o mecanismo da concessão não era por isso aplicável às obras e serviços públicos gratuitos (ou quase gratuitos) para os utentes, como hospitais e escolas, residindo, neste ponto, a novidade introduzida na Private Finance Iniciative – PFI, consistente na “utilização da iniciativa privada para a construção e gestão concessionada de serviços públicos não onerosos (ou seja, não pagos pelos utentes), tradicionalmente montados e geridos diretamente pelo poder público (ensino, saúde, etc.)”  (ARAGÃO, 2005, p. 4).

Nesse pisar, o Prof. Aragão assevera que o esquema é formalmente o mesmo da concessão clássica, pois o capital privado é chamado a construir e explorar durante um certo período, mais ou menos longo (25, 30 anos), um estabelecimento público (hospital, escola, biblioteca, teatro, estabelecimento prisional, etc.), estabelecimento esse que ao final reverter-se-á para o Estado. A diferença, pois, sob a ótica do mencionado mestre, está em que, em não sendo o serviço público pago pelos utentes (ou só em pequena parte o é), o Estado é que, durante o período do contrato, arcará com a amortização e remuneração do capital privado de acordo com a ‘produção’ do serviço concessionado (ARAGÃO, 2005, p. 4).

Apesar de certo ceticismo e controvérsias em torno da Parceria Público-Privada (PPP), o fato é que o Governo da Sra. Margaret Thatcher (1979-1990), inaugurou uma nova página no cenário da Administração Pública, ao atrair o capital privado para construção e gestão de estabelecimentos públicos, e com isso suplantar e/ou amenizar eventuais faltas de recursos, o que pode até não representar a panacéia para os males da carência de recursos e deficiência da administração pública de países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, como almejam instituições do porte do Banco Mundial e Fundo Monetário Nacional, mas que, no entanto, se vier a ser aplicado com seriedade, ética e segurança jurídica poderá representar, ao menos, boa(s) alternativa(s) para a mitigação de tais deficiências.      

IMPLANTAÇÃO DAS PPP’S NO BRASIL
As PPP’s foram implementadas no Brasil, em âmbito nacional, através da Lei Federal nº. 11.079, de 30.12.2004 (DOU 31.12.2004), fruto do Projeto de Lei nº. 2.546/03, do Poder Executivo (CARVALHO FILHO, 2006, p. 345), criando uma “espécie nova”, no Brasil, de concessão de serviço ou obra pública (MELLO, 2007, p. 745).

Referida lei veio instituir normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e, ainda, aos órgãos da Administração Pública direta, aos fundos especiais, às autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 1º c/c parágrafo único).

Oportuno ressaltar, no entanto, que a lei nº 11.079/04 não é pioneira na matéria. Registre-se que, mesmo antes de sua edição, alguns Estados federados a ela se adiantaram, editando seus diplomas próprios, como ocorreu, por exemplo, com os Estados de Minas Gerais (Lei nº 14.868/03, de 16/12/03), Santa Catarina (Lei nº 12.930/04 de 04/02/04), Goiás (Lei nº 14.910/04 de 11/08/04) e São Paulo (Lei nº 11.688/04, de 19/05/04), normas essas que deverão se adequar aos ditames da Lei Federal no que concerne aos seus aspectos conflitantes ou omissivos (GIFONI, ROSE, MATEUS, 2005, p. 16).

A propósito da implantação das PPP’s no Direito brasileiro, Celso Mello assevera que:
A “parceria público privada”, que foi jucundamente auspiciada pelo partido governista – outrora comprometido com os interesses da classe trabalhadora, e hoje ponta-de-lança das aspirações dos banqueiros -, constitui-se na crème de la crème do neoliberalismo, pelo seu apaixonado desvelo na proteção do grande capital e das empresas financeiras. Nem mesmo o Governo anterior, em respeito de sua álacre submissão aos ditames do FMI, ousou patrociná-la, talvez por uma questão de decoro (MELLO, 2007,  p. 743).

De ressaltar que as PPP’s surgem no Brasil em decorrência da crise de financiamento do Estado na década de oitenta, ocasião em que o Estado perdeu sua “capacidade de financiamento de uma série de obras de infraestrutura e de serviços públicos que, na maioria das vezes, eram prestados através daquelas (rodovias, hidrovias, linhas de transmissão de energia, redes de distribuição de água e de coleta de esgoto, gasodutos, etc.)”, cabendo ressaltar que o País continua com sua capacidade de endividamento esgotada (ARAGÃO,  2005, p. 1).

Como acrescenta o referido autor, é exatamente em decorrência desse cenário que surgem as parcerias público-privadas como uma tentativa de Estado e iniciativa privada compartilharem com os custos da implantação de infraestruturas, haja vista que “nenhum deles teria condições de com elas arcar individualmente: o Estado por não ter condições financeiras, e a iniciativa privada porque a tarifa seria insuficiente (ou em alguns casos até inexistente) para cobrir todos os seus custos e a legítima margem de lucro do negócio” (ARAGÃO, 2005, p. 2).

Alexandre Aragão arremata que as PPP’s representam, sem dúvida, uma maneira de o Estado contornar a sua falta de caixa para investimentos e o esgotamento da sua capacidade de contrair novas dívidas, maneiras essas que, no entanto, já enfrentam controvérsias doutrinárias, cujas as principais delas serão abordadas adiante (ARAGÃO, 2005, p. 3).
 
CONCEITO, OBJETO E NATUREZA JURÍDICA DAS PPP`S
Em conformidade com a lei 11.079/2004, a parceria é o contrato administrativo de concessão efetuado ou na modalidade “patrocinada” ou na modalidade “administrativa”, esse, portanto, o conceito legal que se extrai do art. 2º, do referido diploma legal (MELLO, 2007, p. 743).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro assenta que, na realidade, o comentado dispositivo não contém qualquer conceito, porque utiliza expressões que têm que ser definidas, como: concessão patrocinada (§ 1º.) e concessão administrativa (§ 2º.); nesse sentir a festejada administrativista nos apresenta o conceito seguinte:

parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objetivo (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada mediante tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contratação do parceiro público (DI PIETRO, 2007, p. 285).

O Prof. José dos Santos Carvalho Filho assevera que a lei restou confusa quanto ao “nomen júris” do instituto, quando usou na sua ementa a expressão “contratação de parceria público-privada” e no art. 2º. qualificou a parceria como contrato administrativo de concessão. Acrescenta o renomado mestre que o que caracteriza a verdadeira parceria “é a cooperação mútua, técnica e financeira, com objetivos comuns (e não contrapostos, como ocorre nos contratos em geral) e sem fins lucrativos, conforme sucede nos convênios e nos contratos e gestão firmados com organizações sociais, previstos na Lei nº. 9.637/98”, e exaltando os objetivos da lei, apresenta-nos o conceito seguinte:

parceria público-privada é o acordo firmado entre a Administração Pública e a pessoa do setor privado com o objetivo de implantação ou gestão de serviços públicos, com eventual execução de obras ou fornecimento de bens, mediante financiamento do contratado, contraprestação pecuniária do Poder Público e compartilhado dos riscos e dos ganhos entre os pactuantes (g.o.) (CARVALHO FILHO, 2006, p. 346-347).

Para Hely Lopes Meirelles, parcerias público-privadas “é uma forma de participação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da infraestrutura pública, principalmente nos setores de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, etc., como alternativa à falta de recursos estatais para investimentos nessas áreas” (MEIRELLES, 2007, p. 402)

Como se vê, muitos são os conceitos oferecidos pela doutrina, entretanto, entendemos que o que melhor delineia a parceria público-privada é o oferecido pelo Prof. Alexandre Aragão, para quem:

as parcerias público-privadas no Direito positivo brasileiro como sendo os contratos de delegação da construção, ampliação, reforma ou manutenção de determinada infraestrutura e da gestão da totalidade ou parte das atividades administrativas prestadas por seu intermédio, mediante remuneração de longo prazo arcada total ou parcialmente pelo Estado, fixadas em razão da quantidade ou qualidade das utilidades concretamente propiciadas pelo parceiro privado à Administração Público ou à população (g.o.) (ARAGÃO, 2005, p. 18).

No que concerne ao objeto das PPP`s, levando-se em conta que a lei 11.079/2004 considera as PPP’s como modalidades de concessão de serviço público, tem-se que seu objeto só pode ser a prestação de um serviço público, ainda que, como afirma Celso Mello, “para isto necessite englobar outras atividades; vale dizer: seu objeto será necessariamente a prestação de utilidade ou comodidade material fruível singularmente pelos administrados” (g.o.) (MELLO, 2007, p. 744).
  
Nesse sentir, o brilhante administrativista assevera que toda tentativa de efetuar PPP’s tendo como objeto alguma atividade que não seja serviço público seria aberrante, resultado em evidente nulidade do contrato (MELLO, 2007 p. 745).

Acerca da natureza jurídica das PPP’s partilhamos dos ensinamentos do Prof. Carvalho Filho (2006, p. 347) para quem os ajustes firmados no âmbito da lei nº. 11.079/2004, representa “contrato administrativo de concessão de serviço publico, como, aliás, emana da própria Lei  (art. 2º.). Tendo em vista que a lei se refere à concessão comum, regulada pela Lei nº. 8.987/95, há que se considerar a delegação em foco como concessão especial, para distingui-la daquela outra modalidade” (g.o.) (CARVALHO FILHO, 2006, p. 347).

Entendemos, assim, que não se trata de nova modalidade de contrato, mas sim de contrato de concessão com algumas peculiaridades, dentre as quais se destaca, notadamente, a obrigatoriedade de investimento do particular.
 
TIPOS DE PPP’S
São dois os tipos de PPP’s: (i) a concessão patrocinada (art. 2º., § 1º.) e (ii) a concessão administrativa (art. 2º., § 2º).

concessão patrocinada se caracteriza pelo fato de o concessionário perceber recursos de duas fontes, a saber: (i) decorrente do pagamento das respectivas tarifas pelos usuários, e (ii) outra, de caráter adicional, oriunda de contraprestação pecuniária devida pelo poder concedente ao particular contratado (CARVALHO FILHO, 2006, P. 347).

Para Celso Mello (2007 p. 745) “a modalidade patrocinada é a própria concessão de serviço ou de obra de que fala a Lei 8.987 quando, ‘adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários’, envolver contraprestação pecuniária do contratante público ao contratante privado, ambos ali denominados parceiros”.

Oportuno ressaltar, com espeque em Di Pietro, que, no que diz respeito à questão conceitual, a concessão patrocinada e a concessão de serviço público comum prende-se à forma de remuneração, diferença que tende a desaparecer, quando houver, na concessão tradicional, subsídio pelo poder público, como, aliás, previsto no art. 17 da Lei nº. 8.987/95. A autora chama a atenção, também, para a existência de

diferença no que diz respeito (a) aos riscos que, nas parcerias púbico-privadas, são repartidos com o parceiro público, (b) às garantias que o poder público presta ao parceiro privado e ao financiador do projeto, e (c) ao compartilhamento entre os parceiros de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado (g.o.) (DI PIETRO, 2007, p. 286).

Como pontos semelhantes entre os dois institutos, a citada administrativista chama a atenção para o fato de que os mesmos são de tal ordem, a ponto de se “afirmar o contrário: a concessão patrocinada rege-se pela Lei nº. 8.987 em tudo o que não for derrogado pela Lei nº. 11.079”, e ressalta que, sendo a concessão patrocinada uma concessão de serviços públicos, “inúmeros são os pontos comuns com a modalidade disciplinada pela Lei nº 8.987”, os quais, pela importância didática, julgamos oportuno transcrevê-los, in verbis:

a) existência de cláusulas regulamentares no contrato, resultantes da atividade hoje chamada de regulação;
b) outorga de prerrogativas públicas ao parceiro privado;
c) sujeição do parceiro privado aos princípios inerentes à prestação de serviços públicos: continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários, além dos mencionados no art. 6º da Lei nº 8.987/95;
d) reconhecimento de poderes ao parceiro público, como encampação, intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa concessionária, poder de direção e controle sobre execução do serviço, poder sancionatório e poder de decretar a caducidade;
e) reversão, ao término do contrato, de bens do parceiro privado afetados à prestação do serviço;
f) natureza pública dos bens da concessionária afetados à prestação do serviço;
g) responsabilidade civil, por danos causados a terceiros, regida por normas publicísticas, mais especificamente o artigo 37, § 6º, da Constituição;
h) efeitos trilaterais da concessão: sobre o poder concedente, o parceiro privado e os usuários (g.o.) (DI PIETRO, 2007, p. 286-287).

Relativamente à Lei nº 8.915, a mesma autora destaca que se aplicam à concessão patrocinada as normas referentes a:

a) direitos e obrigações dos usuários (art. 7º);
b) política tarifária (arts. 9º a 13), no que couber;
c) cláusulas essenciais do contrato (art. 23), no que não contrariarem os incisos do artigo 5º da Lei nº 11.079;
d) encargos do poder concedente (art. 29);
e) encargos do concessionário (art. 31);
f) intervenção (arts. 32 a 34);
g) responsabilidade por prejuízos causados ao poder concedente e a terceiros (art. 25, caput);
h) subcontratação (art. 25, §§ 1º a 3º);
i) subconcessão (art. 26);
j) transferência da concessão (art. 27), com as restrições contidas no artigo 9º da Lei nº 11.079 quanto à transferência de controle acionário;
k) formas de extinção, abrangendo advento do termo, encampação, caducidade, rescisão ou anulação (arts. 35 a 39);
l) reversão (art. 36);
m) licitação (arts. 15, §§ 3º e 4º, 18, 19 e 21), no que não contrariarem as normas dos artigos 11 a 13 da Lei nº 11.079;
n) controle da concessionária (art. 30 da Lei nº 8.987/95, e arts. 31 e 36 da Lei nº 9.074/95) (DI PIETRO, 2007, p. 287).

Por outro lado, Di Pietro enfatiza que não obstante a concessão patrocinada seja equiparada, pela própria lei, à concessão de serviços públicos, existem algumas distinções no que diz respeito ao regime jurídico, apresentando-nos o seguinte rol de distinções:

a) a forma de remuneração, que deve estar prevista no contrato entre as cláusulas essenciais (art. 52, IV) e que abrange, além da tarifa e outras fontes de receita previstas no artigo 11 da Lei nº 8.987/95, a contraprestação do parceiro público o parceiro privado;
b) a obrigatoriedade de constituição de sociedade de propósitos específicos para implantar e gerir o objeto da parceria (art. 9º);
c) a possibilidade de serem prestadas, pela Administração Pública, garantias de cumprimento de suas obrigações pecuniárias;
d) o compartilhamento de riscos (art. 4º, VI, e art. 5º, III) e de ganhos econômicos efetivos do parceiro privado decorrentes de redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado (art. 5º, IX);
e) normas específicas sobre licitação, derrogando parcialmente as normas das Leis nºs 8.987/95 e 8.666/93;
f) possibilidade de aplicação de penalidade à Administração Pública em caso de  inadimplemento contratual;
g) normas limitadoras do prazo mínimo e máximo do contrato (art. 5º, I);
h) imposição de limite de despesa com contratos de parcerias público-privadas (arts. 22 e 28) (DI PIETRO, 2007, p. 286-287).

No que concerne à concessão administrativa, tem-se, nos termos da lei 11.079/2004, tratar-se de contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

A propósito do conceito legal, Di Pietro assevera que o mesmo “peca pela falta de clareza”, fazendo-se necessário recorrer a outros dispositivos da lei para tentar esclarecer o real objetivo do legislador, chegando a concluir, através de interpretação sistemática, que a concessão administrativa “tanto pode ser, eventualmente, por objeto a execução material de atividade (aproximando-se da empreitada), como a gestão de serviço público (como na concessão de serviço público comum e na concessão patrocinada), que é o real objetivo do legislador” (DI PIETRO, 2007, p. 289 e 291)

A autora acrescenta que além da norma do artigo 3º, outros dados permitem chegar à mesma conclusão, e nos apresenta os seguintes ensinamentos:

a) em primeiro lugar, o artigo 2º, § 2º, ao falar em “serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta”, implicitamente admite a prestação de serviços a terceiros; com efeito, quando o dispositivo fala na Administração como usuária direta, pode-se imaginar qualquer dos serviços prestados diretamente a ela, previstos nos artigos 6º, II, e 13 da Lei nº 8.666; porém, quando se fala em usuária indireta, está-se pressupondo que os usuários diretos sejam terceiros aos quais a Administração Pública presta serviços (como os estudantes de uma escola pública, os pacientes de um hospital público etc.);
b) em segundo lugar, o artigo 4º, III, só exclui dos objetos das parcerias público-privadas as atividades que sejam exclusivas do Estado; dentre as não exclusivas, algumas somente poderão ser objeto de concessão patrocinada (que permite cobrança de tarifa dos usuários), o que significa que as outras só poderão ser objeto de concessão administrativa (quando não haja possibilidade de cobrar tarifa dos usuários) (DI PIETRO, 2007, p. 291).

E conclui a reportada administrativista que

a concessão administrativa constitui-se em um misto de empreitada (porque o serviço, mesmo que prestado a terceiros, é remunerado pela própria Administração, como se deduz do art. 2º., § 3º.) e de concessão de serviço público (porque o serviço prestado ou não a terceiros – os usuários – está sujeito a algumas normas da Lei nº. 8.987, sejam as relativas aos encargos e prerrogativas do poder concedente, sejam relativas aos encargos do concessionário) (DI PIETRO, 2007, p. 289 e 291).  

Di Pietro arremata que se esse objeto de concessão administrativa – delegação da execução de serviço público – se revelar verdadeiro haverá terceirização de atividade-meio (serviços administrativos) e atividade-fim (serviços sociais do Estado) (DI PIETRO, 2007, p. 292).  

De outra banda, a mesma autora apresenta-nos o elenco dos traços comuns à concessão patrocinada e à concessão administrativa, que, pela riqueza de conteúdo,  julgamos oportuno transcrevê-lo em sua inteireza, in verbis:

a) a previsão de contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, sob pena de se configurar a concessão comum, regida pela Lei nº 8.987/95; é o que estabelece o art. 2º, § 3º, da Lei nº 11.07; só que na concessão patrocinada a contraprestação do parceiro público é um plus em relação à tarifa cobrada do usuário, enquanto na concessão administrativa ela constituirá a forma básica de remuneração;
b) a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, não prevista expressamente na Lei nº 11.079/04, mas decorrente, na concessão patrocinada, da aplicação subsidiária da Lei nº 8.987/95, em especial os artigos 9º e 10; em ambas as modalidades, a garantia decorre implicitamente o artigo 5º, III e IV, da Lei nº 11.079, que prevê, entre as cláusulas que devem se incluídas no contrato de parceria, a que diz respeito à “repartição de riscos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária” e à “forma de remuneração e de atualização dos valores contratuais”; trata-se de técnicas consagradas precisamente para garantir o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos;
c) o compartilhamento de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro privado; essa característica se justifica porque, para as parcerias público-privadas, ao contrário do que ocorre na concessão de serviços públicos, o poder público poderá oferecer garantias ao financiador do projeto (art. 5º, § 2º), reduzindo, dessa forma, os riscos do empreendimento e possibilitando maiores ganhos econômicos pelo parceiro privado, os quais deverão ser compartilhados com o poder público;
d) o financiamento por terceiros, referido em alguns dispositivos da Lei nº 11.089/03, como ocorre nos artigos 5º, § 2º, 18, § 2º, e 24; este último prevê que o Conselho Monetário Nacional estabelecerá, na forma da legislação pertinente, as diretrizes para a concessão de crédito destinado ao financiamento de contratos de parcerias público-privadas, bem como para participação de entidades fechadas de previdência complementar;
e) a previsão de três tipos de garantias para as parcerias público-privadas: (1) as garantias de execução do contrato, prestadas pelo parceiro privado ao parceiro público, que são as mesmas previstas na Lei nº 8.666/93, para os contratos administrativos em geral (ar. 56, § 1º, com a redação dada pela Lei nº 11.079); (2) a garantia de cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público perante o parceiro privado, prevista no artigo 8º da Lei nº 11.079 e abrangendo: vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do artigo 167 da Constituição Federal; instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; contratação de seguro-garantia junto a companhias seguradoras que não sejam controladas pelo pode público; garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo poder público e garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal; com relação à vinculação de receitas e à instituição de fundo, merece especial menção parecer proferido por Kiyoshi Harada, publicado no Boletim de Direito Administrativo (São Paulo: NDJ, nº 3, p. 308-315, mar. 2005); e (3)  a contra garantia prestada pelo parceiro público à entidade financiadora do projeto, podendo abranger as seguintes modalidades: transferência, para os financiadores, do controle da sociedade de propósito específico constituída pelo parceiro privado; possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública; legitimidade dos financiadores do projeto para receberem indenizações por extinção antecipada do contrato; possibilidade de recebimento, pelo financiador, de pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas;
f) constituição de sociedade de propósitos específicos (art. 9º da Lei nº 11.079), em caráter obrigatório, independentemente de o licitante vencedor ser ou não um consórcio; é prevista expressamente a possibilidade de transferência do controle dessa sociedade, mediante autorização da Administra’~ao Pública, observado o parágrafo único do artigo 27 da Lei nº 8.987/95, que exige do pretendente capacidade técnico, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à execução do serviço (inciso I) e compromisso de dar cumprimento a todas as cláusulas do contrato em vigor (inciso II); a exigência contida no inciso I do artigo 27 é dispensada na hipótese prevista no artigo 5º, § 2º, da Lei nº 11.079/04, quando os financiadores do projeto assumirem a execução do projeto, o que contraria os princípios da isonomia da moralidade administrativa, do interesse público, da razoabilidade, uma vez que, se o financiador não tiver capacidade técnica  e idoneidade financeira, não terá condições de prestar serviço adequado, podendo infringir o princípio da continuidade na prestação do serviço;
g) previsão e penalidades aplicáveis à Administração Pública (at. 5º, II), o que somente será possível se se tratar e multa ressarcitória, cujo objetivo é o de indeniza o contratado pelos prejuízos eventualmente causados pelo poder concedente; qualquer outro tipo de penalidade é inconcebível de ser imposta à Administração Pública, porque a sanção resultaria aplicada ao próprio Estado, que detém com exclusividade o poder sancionatório;
delimitação do prazo contratual, que não pode ser inferior a cinco nem h) superior a 35 anos, incluindo eventual prorrogação (art. 5º, inciso I);
i) normas sobre licitações, a serem tratadas no item subseqüente;
j) observância da Lei de Responsabilidade Fiscal, também a ser mencionada no item subseqüente;
k) imposição e limite de despesa, conforme artigos 22 e 28 (DI PIETRO, 2007, p. 292-294). 

Celso Mello, por seu turno, rotula a “Concessão administrativa” como “falsa concessão” e assevera que:
dever-se-ia depreender, apesar da profunda obscuridade aludida, que, enquanto na parceria “patrocinada” o concessionário (sob a designação de parceiro privado) se remunera parte por tarifas cobradas do público e parte por pagamento que o Poder Público (sob designação de parceiro público) lhe faz, na parceria administrativa o particular se remunera exclusivamente por “tarifas” de um serviço público do qual a Administração é “a usuária direta ou indireta (MELLO,  2007, p. 747).

Acrescenta o autor que é praticamente impossível conceber um serviço que possa ser mantido por meras tarifas nas quais a Administração compareça como simples usuária, mas na qualidade e frequência suficiente para acobertar tais serviços, maiormente se envolverem também a execução de obra ou implantação de bens. Conclui diante disso, que “a Administração teria que pagar para acobertar os dispêndios da prestação do serviço, embora devesse ser uma tarifa, não seria tarifa alguma, mas uma remuneração contratual como qualquer outra – o que, evidentemente, descaracteriza a parceria como uma concessão” (g.o.) (MELLO, 2007, p. 747).  

Merecem destaque, ainda, os ensinamentos do referido autor segundo os quais “não basta chamar um contrato de prestação de serviços como concessão para que ele adquira, como em um passe-de-mágica, esta qualidade”, acrescenta que “também não basta chamar de tarifa o pagamento feito ao prestador de serviço em um contrato desta índole para que tal pagamento se converta em tarifa e o dito contrato se transforme em uma concessão”, e ironiza que “assim como não bastaria chamar uma cadeira de alto-falante para poder irradiar sons por meio dela” (MELLO, 2007, p. 747).

Nesse pisar, Celso Mello  relembra o grotesco meio de que se utilizou a Prefeitura Municipal de São Paulo, na última gestão, para efetuar contratos de prestação de serviço de recolhimento de lixo com prazo correspondente ao de concessões, atribuindo tal nome ao contrato e chamando de tarifa o pagamento que fazia ao prestador, asseverando,  com inteira propriedade, que “é evidente que o contrato em tais condições é nulo de pleno direito”  (MELLO,  2007, p. 747).

Nota-se, portanto, que os tipos das PPP’s se caracterizam, a rigor, pela forma com que os parceiros privados são remunerados, incluindo-se o período de tempo (via de regra longo), não podendo os reportados contratos de parceria público-privadas serem confundidos com os típicos contratos de concessão, ainda que com eles guarde alguns traços comuns, devendo cada qual seguir seus próprios ritos sob pena de restarem descaracterizados e maculados de nulidades. 

PRINCIPAIS PONTOS POLÊMICOS (PPP’S) DAS PARCERIAS PUBLICO-PRIVADAS (PPP’S)
Aprovada com o fito de suplantar a “falta de disponibilidade de recursos financeiros” e, por outro lado, tirar proveito da “eficiência da gestão do setor privado” (CARVALHO FILHO, 2006, p. 346), a Lei nº. 11.079/2004, a nosso ver, carrega em si duas evidências, a saber: (i) a falência do Estado e (ii) a ineficiência da Administração Pública, sendo a primeira corolário da segunda.        

O Prof. José dos Santos Carvalho Filho, noticia que as parcerias público-privadas têm sido adotadas com sucesso em diversos ordenamentos jurídicos, como, entre outros, os de Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda, e, de outra banda, põe em dúvida se semelhante modelo será frutífero ou não no Brasil, antecipando-se para dizer que o tempo aliado à forma como irá conduzir-se a Administração na aplicação do instituto dirão, com o que concordamos plenamente (CARVALHO FILHO, 2006, p. 346).

Reconhece o professor carioca que, não obstante alguns aspectos confusos na disciplina jurídica em questão, trata-se de “mais uma das tentativas que ultimamente se têm apresentado para que o Poder Público obtenha do setor privado parcerias, recursos e formas de gestão no intuito de executar atividades estatais e prestar serviços públicos, tarefas nas quais o Estado, sozinho, tem fracassado” (CARVALHO FILHO, 2006, P. 346).

O também professor carioca, Gustavo Binenbojm, assevera, com propriedade, que “a Constituição brasileira não adota um regime de tipicidade fechada em relação às modalidades contratuais que podem vir a ser instituídas e utilizadas pelo Poder Público para a melhor execução de suas tarefas”, assim, o destacado professor reconhece que em sendo concebido o contrato de PPP na forma como fora idealizado, tal consistirá uma solução legislativa que permite o alcance, conforme as circunstâncias do caso concreto, de um maior grau de concretização do princípio da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput) (BINENBOJM,  2005, p. 7)

De outro lado, destaque-se a ferrenha crítica lançada por Kiyoshi Harada, já à época da tramitação do projeto de lei, e que a seguir se transcreve, sendo, também, da lavra do mesmo Harada, as mais severas críticas e atribuições de inconstitucionalidades que serão mais adiante comentadas.

Esse projeto legislativo é um desastre total do ponto de vista jurídico-constitucional. Representa, sem sombra de dúvida, um outro instrumento poderoso de desmontar a administração pública, como a terceirização e a privatização de serviços públicos não terceirizáveis nem privatizáveis (Revista Jurídica Consulex, Ano VIII, nº 185, setembro/04, p. 30) (HARADA, 2005, p. 3).

Na linha de pensamento do publicista Harada, filia-se Celso Mello, que não só corrobora o pensamento de Harada, como, também, lança pesadas farpas ao texto da lei 11.079/2004, como o faz, dentre outras, ao falar sobre o teor do art. 4º, III, que indicou algumas atividades que obviamente não poderiam estar compreendidas no âmbito das PPP’s (atividade jurisdicional, atividade regulatória, poder de polícia e atividades exclusivas do Estado), a ponto de asseverar que: “tantas e tais são as imperfeições desta lei que se nota haver sido preparada por pessoa ou pessoas jejunas em Direito, totalmente desconhecedoras de noções jurídicas, mesmo as mais primárias” (g.n.), ressaltando o brilhante autor que  

É claro que não precisaria mencioná-lo, seja porque ninguém da área jurídica imaginaria que atividades exclusivas do Estado pudessem ser trespassadas a particulares, seja, liminarmente, porque ditas atividades, em nosso Direito, não são tecnicamente serviço público, estando, pois, por definição, fora do âmbito das PPPs. (MELLO, 2007, p. 745)

O citado administrativista vai mais longe, ao comentar sobre as diretrizes e cláusulas contratuais que norteiam o contrato de parceria, as quais se acham inseridas nos diversos incisos do art. 4º., para dizer que “com exceção da “repartição objetiva de riscos entre as partes”, in casu o inciso VI, “todas as demais diretrizes, obviamente, não precisariam ser referidas”, e assevera que:

Com efeito, ninguém no mundo imaginaria que os contratos em apreço deveriam buscar ineficiência tanto no cumprimento das missões estatais quanto no emprego de recursos; nem que deveriam desrespeitar os interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; nem que, por via deles, fossem delegados a função jurisdicional do Estado, ou sua função regulatória, ou o exercício do poder de polícia ou de quaisquer outras atividades que o próprio dispositivo menciona como “exclusivas do Estado”; nem que a parcerias se empenhassem na busca da irresponsabilidade fiscal; como também suporia que ditos contratos devessem primar pela falta de transparência dos procedimentos e das decisões. Do mesmo modo não se suporia que vieram para promover a insustentabilidade financeira e desvantagens socioeconômicas. Assim, seria o caso de perguntar: por que tais dispositivos foram incluídos na lei? (g.o.) (MELLO, 2007, p. 751).

A par disso, Celso Mello chega a ironizar:

Antes mesmo de imaginar uma resposta, já se pode saber que o preparo da lei em questão foi atribuído a alguém alheio à esfera jurídica, pois quem fosse deste ramo jamais cometeria uma infantilidade de tal ordem. Deve ser coisa de economista ou administrador. Para explicar a existência de um artigo simplório a este nível não nos acode ao espírito senão a hipótese de que seu propósito seja a ingênua suposição de, por tal modo, granjear boa receptividade para as parcerias fazer supor que se trata de uma lei bem-intencionada a arrefecer a atenção para o escandaloso cúmulo de garantias inconstitucionais ofertadas aos parceiros privados e seus financiadores (g.n.) (MELLO, 2007, p. 751).

Não obstante o rigor científico da assertiva, consideramos exacerbada a crítica lançada pelo notável autor, pelo simples fato de que a lei não é direcionada apenas para juristas e sim para todos os cidadãos, consoante dispõem os art. 3º, do DL 4.657/1942 (LICC) e art. 21, caput, do DL 2.848/1940 (CP), razão pela qual não se pode apedrejar o legislador por dizer o óbvio ou ser repetitivo, ou seja, como se diz no popular, “por chover no molhado”, o que, quando não muito, seria fazer o papel de regulador da norma, o que, à evidência, não a invalida apenas esvazia a função do ente regulador. Na verdade, o que o legislador não pode fazer é afrontar à Carta Magna, aí sim, estaria a merecer toda e qualquer sorte de repúdio.

Demais disso, ainda que o preparo da lei tenha sido atribuído a alguém alheio à esfera jurídica, de ressaltar que o mesmo foi objeto de intensas discussões no Congresso, tendo sido alvo de emendas, uma das quais apresentadas por notáveis juristas, e que resultou em alterações do texto original, como se extrai, por exemplo, dos relatos do Prof. Aragão:

O conceito e a sistematização da Lei, que a deixaram bem diferente do primeiro projeto, adveio de substitutivo apresentado no Senado Federal, em relação ao qual houve a colaboração de grupo de juristas de interlocução com a Casa Civil da Presidência da República, o qual tivemos a honra de integrar juntamente com os professores Adílson Abreu Dallari, Carlos Ari Sundfeld, Floriano de Azevedo Marques Neto, Marçal Justen Filho, Paula Forgioni e Odete Medauar, devendo ser feito o registro da contribuição direta que as sugestões do Professor Carlos Ari Sundfeld tiveram para o conceito, classificação e nomenclatura das parcerias público-privadas que acabaram sendo encampadas pela Lei nº 11.079/04. Uma notícia do fato também consta de JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo, Ed. Saraiva, São Paulo, 2005, p. 550: "A solução reflete a decisiva colaboração de Carlos Ari Sundfeld, que propugnou, inclusive, pela aplicação subsidiária das regras da Lei de Concessões para disciplinar as PPPs (g.n.) (ARAGÃO, 2005, p. 5).

Relativamente à concessão administrativa, Celso Mello afirma que o que “a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados, é a realizar um simples contrato de prestação de serviços – e não uma concessão – segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos”. O autor, assim, com toda propriedade, vislumbra que, ao final das contas, a comentada lei quer mesmo é

ensejar aos contratantes privados (os parceiros), nas “concessões” administrativas tanto como particulares, vantagens e garantia capazes de atender aos mais venturosos sonhos de qualquer contratado. Pretendeu atribuir-lhes os benefícios a seguir indicados, e que existem tanto na concessão administrativa quando na concessão patrocinada, assim como também ofertou aos seus financiadores benefícios surpreendentes (MELLO, 2007, 748).

Não ousamos discordar do renomado mestre, ao contrário, como ponto de reflexão, indagamos: seria, acaso, a subversão da ordem jurídica?!

Os principais pontos polêmicos (ppp`s) da lei nº. 11.079/2004, são, sem dúvida, as disposições inerentes à (i) vinculação de receitas, (ii) instituição de fundos especiais, (iii) criação de empresa estatal garantidora; (iv) mecanismos de resolução de disputas, inclusive arbitragem, e (v) assunção – por financiador – do controle da sociedade de propósito específicos.

Aliando-se à corrente capitaneada por Kiyoshi Harada, Celso Mello assevera que “há grosseira inconstitucionalidade na previsão do art. 8º, I, segundo o qual obrigações pecuniárias da Administração resultantes da parceria poderiam ser garantidas por vinculação de receitas” (MELLO, 2007, p. 755-760).

proibição de vinculação de receitas, segundo tal corrente, residente no art. 167, IV, da Constituição, baseado no qual a vinculação “só pode ser excepcionada nos casos que especifica, consoante ali mesmo está previsto e estampado de maneira exuberantemente clara”, ressaltando-se que a única remissão que nele se faz ao tema de prestação de garantias concerne a operações de créditos por antecipação de receita, ou a pagamento de créditos da União (§ 4º do mesmo artigo). Acrescenta Mello (2007, p. 756), com espeque em Harada, que

na primeira hipótese, a prestação de garantias suposta naquele dispositivo nem ao menos tem o mesmo sentido que lhe é próprio no Direito Privado. Sua finalidade não é garantir algum credor, mas "preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada", para prevenção de desequilíbrio orçamentário. Na segunda hipótese está claríssimo que o que entra em pauta são débitos de Estados ou Municípios para com a União. Em suma: receita pública jamais pode ser vinculada a garantia de créditos de particular, sob pena de escandalosa inconstitucionalidade (MELLO, 2007, p. 756).

Quanto aos fundos especiais, Celso Mello, em total harmonia ao pensamento de Harada (2005, p. 6-8), afirma ser “grosseiramente inconstitucional” a previsão de instituição ou utilização de fundos especiais garantidores de que trata o art. 8º,  II, bem como a autorização constante do art. 16, para um Fundo Federal, de 6  (seis) bilhões de Reais, o que na visão dos ilustres publicistas incorrem, concomitantemente, em diversas inconstitucionalidades (MELLO, 2007, p. 756).

Segundo Celso Mello, a inconstitucionalidade reside no fato de serem os referidos fundos constituídos com bens públicos, o que não é possível, haja vista que, bens públicos, não são suscetíveis de penhora, nem de qualquer modalidade de apoderamento forçado, além do que, segundo os autores, “a forma pela qual credores públicos se saciam, quando não hajam sido regularmente pagos, é a prevista no art. 100 da Constituição, isto é, com o atendimento dos precatórios [...]” (MELLO, 2007, p. 756-758).

Mais adiante, o autor, ainda embasado no parecer de Kiyoshi Harada, enfatiza que:  
o inciso II do art. 8º "atenta contra os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da moralidade e da publicidade (art. 37 da CF); dribla o art. 165, § 9º, II, da CF e o art. 36 do ADCT; infringe o art. 167, IV, da CF; contraria o princípio da quantificação dos créditos orçamentários inserto no art. 167, VII; violenta o princípio da fixação prévia das despesas, que está previsto no art. 167, II. Ademais, esvazia, em parte, o conteúdo dos arts. 70 e 71 da CF, que cometem ao Congresso Nacional a importantíssima missão de fiscalizar e controlar os gastos públicos, ferindo de morte o princípio da legitimidade, que deve presidir o controle sob o prisma da legalidade e da economicidade da execução orçamentária e financeira (MELLO, 2007, p. 757).

Relativamente ao Fundo Federal Garantidor de Parcerias Público-Privadas, previsto no art. 16, Mello assevera que o mesmo incorre, ainda, na inconstitucionalidade de não poderem ser instituídos enquanto não sobrevier a lei complementar prevista no art. 165, § 9º, II, da Constituição, a teor do que dispõe, inclusive, no art. 36 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (MELLO, 2007, p. 757).

Adita o autor que:

os recursos que devem constituir tal Fundo Federal (cotas integralizáveis em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais - ou de uso especial ou uso comum previamente desafetados para tal fim! - e ações de sociedade de economia mista federal até o limite da mantença de seu controle pela União, ou outros direitos com valor patrimonial, conforme o art. 16, § 4º) estão previstos como devendo provir não só da União, mas também de suas autarquias e fundações públicas. Ora, estes sujeitos da Administração indireta foram criados para cumprir finalidades específicas, e têm, portanto, seus recursos atrelados às correspondentes destinações. Por isto, assiste total razão à Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro ao dizer que, vigorando em relação a eles o princípio da especialidade, somente lei específica nominando as pessoas afetadas poderia ensejar que seus recursos fossem distraídos para finalidade estranha a suas razões de existir (MELLO, 2007, p. 758).

Em reta oposta, o Prof. Alexandre Aragão rechaça tais argumentos afirmando que todas as garantias previstas no referido art. 8º, são possíveis de serem adotadas pela Administração Pública, desde que previstas no edital (art. 11, parágrafo único, Lei nº 11.079/04, refutando, igualmente, as assertivas no sentido de que apenas lei complementar poderá dispor sobre garantias a serem dadas pelo Estado (art. 163, III, CF), contra argumentando, ainda, que as garantias previstas na Lei nº 11.079/04 podem ser consideradas como já referidas pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101/00), especialmente pelo seu artigo 40  (ARAGÃO, 2005, p. 25).

No que concerne especificamente à instituição de fundo garantidor, o Prof. Aragão discorda das opiniões de Harada e Mello, chegando a afirmar que o que o art. 165, § 9°, II, CF, impõe é que as condições para a instituição e funcionamento de fundos sejam genericamente disciplinadas por lei complementar, não que a criação de cada fundo específico o seja. Acrescenta o autor que lei complementar (lei-quadro) já existe; é a Lei n° 4.320/64, cujos arts. 71 a 74 se referem apenas à "lei", portanto lei ordinária, para instituir o fundo (ARAGÃO, 2005, p. 26-27).

A propósito da violação ao art. 71 da Lei n° 4.320/64, acrescenta o mencionado autor que “ele apenas afirma que as receitas dos fundos ‘se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços’”. Ressalta que entre tais “objetivos” certamente se insere o de garantir dívidas necessárias à realização de projetos de infraestrutura essenciais ao desenvolvimento nacional  (ARAGÃO, 2005, p. 26-27).

Acerca da suposta violação ao art. 100 da CF, Alexandre Aragão enfoca, primeiramente, com supedâneo no art. 37, caput da CF, a possibilidade de a União criar entidades de Direito Privado para desempenhar seus misteres, asseverando que:

quando a União cria uma pessoa jurídica de Direito Privado da sua Administração Indireta para desempenhar atividades de sua competência constitucional, as exclui, ainda que parcialmente, do regime jurídico de Direito Público, inclusive da execução de dívidas pelo sistema de precatório, já que o art. 100, CF, submete apenas a "Fazenda Pública". Isso, contudo, antes de ser uma ilegítima "fuga do Direito Público", é uma possibilidade constitucionalmente admitida de os Entes federativos buscarem o atendimento mais eficiente dos seus objetivos, ressalvada apenas a vedação da entidade de Direito Privado exercer atividades de jus imperii, ou seja, de imposições unilaterais aos particulares (ARAGÃO, 2005, p. 25).

A nosso ver, não assiste razão ao professor Alexandre Aragão, uma vez que, as hipóteses de garantias vislumbradas na LRF (art. 23, § 3º., II; art. 29, IV; art. 32, § 4º., II; art. 39, III; art. 40 e seus parágrafos; art. 55, I, “c”; art. 59, § 1º., III; art. 60) alcançam apenas e tão-somente as garantias prestadas entre os entes federativos, envolvendo, notadamente, operações de obrigação financeira ou contratual assumidas por ou entre eles (entes da Federação) ou entidades a eles vinculadas, não comportando os referidos dispositivos interpretação extensiva a par de oferecer garantias a particulares, estando as garantias dispostas no art. 8º., II da Lei 11.079/04, à evidência, a depender de edição de Lei Complementar, pelo que, neste ponto, filiamo-nos aos pensamentos de Kiyoshi Harada e Celso Mello.    

Defendemos, igualmente, que a única forma de garantia passível de estabelecimento por lei ordinária – com embasamento na LC 101/00 – é a disposta no artigo 61 da referida lei, consistente no oferecimento de “títulos da dívida pública, desde que devidamente escriturados em sistema centralizado de liquidação e custódia”, os quais, segundo o citado dispositivo “poderão ser oferecidos em caução para garantia de empréstimos, ou em outras transações previstas em lei, pelo seu valor econômico, conforme definido pelo Ministério da Fazenda” (g.n.).  

Assim, não fosse a previsão constitucional no sentido de que “concessão de garantias pelas entidades públicas” é matéria adstrita à lei complementar, estaria o festejado mestre acobertado de razão, todavia, esse não é o cenário, pois ainda que a instituição de fundo garantidor encontre guarida nos arts. 71 a 74, da Lei n° 4.320/64, não tem ele o condão de prestar garantias, restando, de igual sorte, violada, ao menos em parte, a observância ao sistema de precatório, salvo, como visto antes, se o fundo garantidor fosse constituído – exclusivamente - por títulos da dívida pública, a  teor do disposto no art. 61 da LC 101/00.

Ainda sobre o fundo garantidor, causa-nos perplexidade o fato de a lei 11.079/04 determinar a criação de fundo, de até 6 (seis) bilhões de Reais, para garantir obrigações contraídas com a implantação das PPP’s, quando, paradoxalmente, a justificativa da lei foi exatamente a ausência de recursos e o esgotamento de endividamento do Erário. 

Ora, não seria o caso de tais recursos serem aplicados (pelos caminhos naturais) diretamente pela própria Administração na execução de obras de infraestrutura?!  Chamamos a atenção para o primeiro projeto de PPP, noticiado pelo Governo Federal, voltado à restauração do Sistema Rodoviário envolvendo as Rodovias BR-116/BR-32/BA, e neste ponto  somos instados a indagar: cadê os muitos bilhões de Reais arrecadados com a CIDE? Não seriam eles mais do que suficientes para a satisfação de tal finalidade específica?

O Prof. Gustavo Binenbojm manifestando-se acerca das garantias especiais das PPP’s, leciona que: “uma das características peculiares dos contratos de PPP é o reforço das suas garantias em relação à generalidade dos contratos celebrados pela Administração Pública”. Assevera o autor que “a razão de tal característica é de fácil compreensão” pois segundo ele,

ao contrário dos demais contratos administrativos, as PPP`s, “(i) exigem investimentos iniciais vultosos dos particulares, (ii) propõem sua amortização em longo prazo e (iii) no caso das concessões patrocinadas e das concessões administrativas de serviços públicos, não oferecem um objeto suficientemente atrativo para justificar per se os riscos assumidos pelos investidores (BINENBOJM, 2005, p. 11).

Com esse espírito, o professor carioca, analisando os dispositivos do art. 8º. da 11.079/04 c/c art. 163, III, da CF, afirma que em primeira vista “o vício de inconstitucionalidade formal parece evidente. Deveras, sendo a Lei nº 11.079/2004 uma lei ordinária, a exigência do art. 163, caput, e III, da Carta Política teria sido desatendida  (BINENBOJM, 2005, p. 11).

Entretanto, o referido autor afirma que o caso comporta duas interpretações alternativas, capazes de “salvar” o art. 8º. em comento, a saber:

a primeira, aquela que sustenta ter a Lei nº 11.079/2004 apenas regulamentando a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), com o que estaria satisfeita a exigência constitucional. E a segunda, aquela segundo a qual o art. 8º. não trata da concessão de garantias por entidades públicas (referidas no caput do art. 163 da Constituição), mas sim por uma entidade privada, que é o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas (FGP) (BINENBOJM, 2005, p. 11).

Não comungamos da opinião do autor, consoante nossas razões antes expostas, todavia, concordamos com o mesmo quando registra que:

seja como for, a simples existência de uma suspeita de inconstitucionalidade já pode representar um elemento problemático de risco e insegurança para os investidores privados. Assim, é recomendável o encaminhamento de um projeto de lei complementar ao Congresso que venha a espancar dúvidas acerca da firmeza das garantias oferecidas pelos parceiros públicos em contratos de PPP (BINENBOJM, 2005, p. 11). (g.n.)

Outra inconstitucionalidade apontada por Celso Mello diz respeito à inadmissibilidade de “criação de empresa estatal garantidora” de obrigações oriundas de PPP’s, haja vista o evidente desnaturamento da índole de tais entidades - concebidas que são para prestar serviços públicos ou para desenvolver empreendimentos econômicos, e não para servir de garantes a créditos de terceiros. Assevera o renomado mestre que a instituição com tal objetivo é o mesmo que “buscar por vias transversas os mesmos fins que os fundos não podem atingir, pena de ofenderem a generala o disposto na Constituição”, em evidente  “burla ao sistema de satisfação de créditos insolutos contra o Poder Público, estabelecido no art. 100, e a incidir na violação aos princípios da igualdade, impessoalidade e moralidade administrativas” (MELLO, 2007, p. 758).

Binenbojm, diferentemente, defende a legitimidade da “constituição de uma entidade de direito privado para funcionar como fundo garantidor”, com amparo no art. 173, § 1º., inciso II, da Carta da República, a ainda segundo o autor:

nada impede, de fato, que o Poder Público constitua uma empresa pública ou uma sociedade de economia mista (ou uma subsidiária dessas entidades) cujo objeto social seja o de garantir determinados projetos, concebidos no formato de PPP. Trata-se de um aspecto da atividade de fomento, que pode ser desempenhada por pessoas estatais de direito privado. Ora, segundo o art. 173, § 1º., inciso III, da Constituição, empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias sujeitam-se ao “regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações cíveis, comerciais, trabalhista e tributárias” (BINENBOJM, 2005, p. 14).

A questão como se vê é deveras polêmica, e certamente baterá às portas dos tribunais, subsistindo, até lá, a dúvida e, portanto, a insegurança jurídica dos investidores privados, no entanto, nesse ponto, inclinamo-nos à corrente encabeçada por Kiyoshi Harada e Celso Mello.

Causa polêmica, ainda, a previsão inserta na lei 11.079/04 no sentido de que “particulares, árbitros, como suposto no art. 11, III, possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis, coisas extra commercium (MELLO, 2007, p. 759). Para o citado autor o assunto “envolve interesses de elevada estatura, pertinentes à Sociedade como um todo; e, bem por isto, quando suscitar algum quadro conflitivo entre partes, só pode ser soluto pelo Poder Judiciário”, e acrescenta: “permitir que simples árbitros disponham sobre matéria litigiosa que circunde um serviço público e que esteja, dessarte, com ele imbricada ofenderia o papel constitucional do serviço público e a própria dignidade que o envolve.”

A propósito do tema, o Prof. Aragão assim se manifesta:
Alguns autores estão aventando a inconstitucionalidade da exigência de a arbitragem ser feita no Brasil e em português por violar o Princípio da Proporcionalidade ao impor restrições sem nenhum ganho para o interesse público, ou seja, restrições desnecessárias. Não nos parece ser assim. A ausência de tal exigência não faria que a admissão da arbitragem fosse inconstitucional, mas, outrossim, não resta dúvida que, ainda mais em se tratando de contrato de relevantíssimo interesse para toda a sociedade, o fato de ser realizado no local de sua execução (no Brasil) e na língua acessível a todos os interessados (os usuários dos serviços públicos objeto do contrato e a imprensa por eles acessada) faz com que haja um controle imediato, uma accountability e uma transparência mais incisivos (ARAGÃO, 2005, p. 25).

Neste particular, ficamos com as lições de Binenbojm, para quem nenhum dos três óbices de índole constitucional opostos à admissibilidade de cláusulas de arbitragem em contratos envolvendo a Administração Pública, quais sejam, (i) o princípio da legalidade administrativa, (ii) o princípio da indisponibilidade do interesse público, e (iii) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, se afigura procedente (BINENBOJM,  2005, p. 15-16).

Leciona o autor que “já foi há muito abandonada a idéia do princípio da legalidade administrativa como vinculação positiva à lei”, sustenta o autor que “há inúmeros campos em que, como se sabe, se reconhece à Administração uma série de poderes implícitos ao dever de bem administrar. A pactuação da cláusula compromissória é um dentre eles.” Assim, conclui o autor, com propriedade, que “o poder de pactuar arbitragem é implícito ao poder de contratar, restando atendida a legalidade quando a solução arbitral se afigura, a juízo do administrador, como aquela que realiza, da forma mais eficiente, o deve de bem administrar” (BINENBOJM, 2005, p. 16).

Acerca da indisponibilidade do interesse público, o professor carioca relembra as lições do hoje Ministro Eros Roberto Grau, para quem não há qualquer correlação entre disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais ou indisponibilidade do interesse público, para concluir que a disponibilidade dos direitos patrimoniais envolvidos em um contrato administrativo, corresponde um poder da Administração de convencionar a cláusula de arbitragem, sem que isso importe disposição do interesse público (BINENBOJM, 2005, p. 16).

No que concerne ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, Binenbojm chama a atenção, com o que concordamos para o ponto de que a arbitragem poderá ser, em muitos casos, a mais vantajosa para a Administração do que a solução judicial, tomando-se como exemplo a hipóteses de um contrato rescindido por culpa do parceiro privado, em que haja uma verba indenizatória devida à Administração. De convir, com o autor, que em tal situação a maior celeridade do procedimento arbitral virá em favor do Poder Público (BINENBOJM, 2005, p. 16).
           
Também não se pode discordar do referido autor quando afirma que

em um juízo de proporcionalidade entre benefícios (custos mais baixos em contratos administrativos) e riscos (eventuais e suscetíveis de correção pontual em casos de vícios formais ou fraude, nos casos previstos no art. 32 da Lei nº 9.307/96), a balança de custo-benefício me parece claramente pender em favor da convenção da cláusula compromissória  (BINENBOJM, 2005, p. 16).

Concordamos, por fim, com a conclusão de Binenbojm no sentido de que inexiste violação, por parte da Lei 11.079/04, ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, mormente, como ressalta o autor, depois que o Egrégio STF, em sede de Sentença Estrangeira (SE nº 5.206-7, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 12.12.2001), resolveu a questão do procedimento arbitral, assentando que a opção pela cláusula de arbitragem é uma decorrência da disponibilidade dos recursos envolvidos no contrato administrativo, qualquer alegação de violação da garantia constitucional da inafastabilidade da jurisdição perde sentido (BINENBOJM, 2005, p. 17).

No que respeita a assunção, por financiador, do controle da sociedade de propósitos específicos, o festejado Celso Mello assevera, com o que concordamos plenamente,  que

é desenganadamente inconstitucional a possibilidade conferida à Administração pelo art. 52, § 22, I, de autorizar a transferência do controle de tal sociedade para os financiadores da parceria sem que estes previamente demonstrem "capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço" quando o objetivo for reestruturá-la financeiramente e assegurar a continuidade da prestação dos serviços (MELLO, 2007, p. 759).

Segundo o autor,

o art. 37, XXI, da Constituição, mesmo pretendendo reduzir ao máximo as exigências a serem feitas para os pretendentes a eventual travamento de contrato com a Administração, não abriu mão de ‘exigências de qualificação técnica e econômica indisponíveis à garantia do cumprimento das obrigações’. “É claro, pois, que a lei das PPPs não poderia fazê-lo” (MELLO, 2007, p. 16).

A propósito do tema, oportuno enfatizar que, não obstante a pecha de inconstitucionalidade em comento, tem-se que, em ocorrendo uma assunção por órgão financiador vinculado a Administração Pública, há de se convir que a parceria púbico-privada, nessa hipótese, restaria descaracterizada dando lugar a uma parceria “público-público”.

Por fim, é de realçar mais um ponto polêmico da Lei 11.079/04, trata-se do art. 9º, o qual prevê que antes da celebração do contrato, deverá ser constituída sociedade de propósito específico, incumbida de implantar e gerir o objeto da parceria. A lei em comento não menciona qualquer prazo para constituição da referida sociedade, o que, inevitavelmente, haverá de ser consignado em edital.

Ressalte-se que, à época do advento da Lei 11.079/04, de acordo com dados do Banco Mundial, para se abrir uma empresa no Brasil eram necessários passar por 15 procedimentos, o que levava 152 dias (notícia do MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, disponível a partir de: http://www.desenvolvimento.gov.br, acesso em 10 maio 2007), esse problema, no entanto, tende a desaparecer haja vista a edição da Lei 11.598, de 03 de dezembro de 2007 (DOU de 04 de dezembro de 2007), que estabelece diretrizes e procedimentos para a simplificação e integração do processo de registro e legalização de empresários e de pessoas jurídicas e cria a Rede Nacional para Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – REDESIM.

Frise-se que a Lei 11.598/2007 só veio ao mundo jurídico após transcorridos, praticamente, 03 (três) anos da edição da Lei 11.079/04, dando mostra da letargia do nosso legislativo, o que, não obstante, não tira o brilho da norma, que, embora tardia (mas como diz o dito popular: “antes tarde do que nunca”), visa – claramente – simplificar os procedimentos de abertura de empresas através de um cadastro único, rápido e desburocratizado.

Mas, uma pergunta não quer calar: em quanto tempo os órgãos envolvidos conseguirão programar a REDESIM? Espera-se que não se deixe transcorrer mais três anos, pois, afinal, o cenário de integração entre os diversos entes políticos e órgãos da administração pública têm se mostrado totalmente favorável, pois o Governo Federal investiu pesado em infraestrutura de informática, e, por outro lado, tem disponibilizado linha de crédito aos Estados e Municípios para tal propósito, restando a estes apenas aderirem, mediante consórcio, à REDESIM.

Como exemplo exitoso de integração entre os diversos entes políticos, oportuno citar o caso dos repasses de ICMS entre os Estados Federados, decorrentes de operações interestaduais, que há muito vêm sendo operacionalizados, com sucesso, através de uma espécie de câmara nacional de compensação, consistente no Sistema de Captação e Auditoria dos Anexos de Combustíveis – SCANC, regulado, atualmente, através dos Convênios ICMS nºs 03/1999 e 54/2002, editados pelo Conselho Nacional de Político Fazendária – CONFAZ, sistema esse que atende plenamente aos anseios dos Fiscos Estaduais, por ser totalmente automatizado e seguro.

Outro exemplo de êxito tem sido o caso da Nota Fiscal Eletrônica, de existência apenas digital, que já integra de forma obrigatória, desde 1º de abril de 2008, os Fiscos Federal e Estaduais no que concerne as operações realizadas entre contribuintes que exercem atividades de distribuição de combustíveis líquidos e de fabricação de cigarros, conforme determina o Ajuste SINIEF 07/05 (DOU de 05.10.05, republicado no DOU de 07.12.05) e alterações,  e que, a partir de 1º de setembro de 2008, passa a ser obrigatório, também, para os segmentos seguintes: fabricantes de automóveis, camionetes, utilitários, caminhões, ônibus e motocicletas; fabricantes de cimento; fabricantes, distribuidores e comerciante atacadista de medicamentos alopáticos para uso humano; frigoríficos e atacadistas que promoverem as saídas de carnes frescas, refrigeradas ou congeladas das espécies bovinas, suínas, bufalinas e avícola; fabricantes de bebidas alcoólicas inclusive cervejas e chopes; fabricantes de refrigerantes; agentes que, no Ambiente de Contratação Livre (ACL), vendam energia elétrica a consumidor final; fabricantes de semiacabados, laminados planos ou longos, relaminados, trefilados e perfilados de aço; fabricantes de ferro-gusa (Protocolo ICMS 24, de 18 de março de 2008).

Igualmente, vislumbra-se que em um futuro não muito distante a obrigatoriedade da Nota Fiscal Eletrônica estará alcançando todos os segmentos e contribuintes do país, e, por outro lado, integrando todos os entes federativos, não se justificando, destarte, que algum órgão fique de fora ou venha retardar esse importante  processo de integração, não se podendo perder de vista que, uma imperiosa e ampla integração entre todos os entes federados representa importantíssimo passo para o avanço da tão almejada reforma tributária, quiçá, com uma possível unificação de tributos, não só facilitando a abertura e baixa de empresas, como pretende a REDESIM, mas, notadamente, permitindo uma correta e justa repartição de receitas entre os entes federativos.
 
CONCLUSÃO
Denota-se, do que vimos que o propósito das parcerias em comento é o de atrair o capital privado com vistas a suplantar e/ou amenizar eventuais faltas de recursos para investimentos em infraestrutura básica e, por outro lado, otimizar a administração pública por intermédio do capital, da força de trabalho, da qualidade e seriedade da administração particular, em contrapartida a longo período de remuneração financeira, arcada total ou parcialmente pelo Estado.

De registrar que os ideais neoliberais levados a cabo pela “Dama de Ferro”, Margaret Thatcher, os quais revolucionaram a Inglaterra e influenciaram, incontinente, países da Europa e do resto do mundo, demoraram mais de dez anos para serem parcialmente implementados no Brasil, quando foram registradas as primeiras privatizações de empresas públicas, cuja experiência, diga-se, resultou exitosa.

No que concerne a novel e discutida forma de parceria público-privada, tem-se que a tentativa de sua implementação no Brasil se deu há mais de vinte anos das primeiras experiências inglesas, sendo oportuno registrar que o cenário nacional, em que se busca a realização de tais parcerias, tem se mostrado bem mais favorável, que outrora, à administração pública, isso porque com a onda de privatizações, e do advento da Lei Complementar nº 101/2000, que estabeleceu normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, estancou-se, ainda que timidamente, a sangria dos cofres públicos, medidas que somadas aos sucessivos recordes de arrecadação tributária, têm levado a redução do defict público, em razão do que somos levados a indagar se realmente é o momento de se firmar as comentadas parcerias, duvidando-se, outrossim, ao do Prof. Carvalho Filho (2006, p. 346), se as reportadas parcerias serão ou não frutíferas aqui no Brasil, e nesse ponto ficaremos refém do tempo e das circunstâncias futuras.

Sem retirar o mérito das parcerias público-privadas, o que, aliás, restou consagrado em países europeus, temos que, antes de tudo, deveremos moralizar as nossas instituições, de forma a acabar – definitivamente - com os públicos e notórios saques que os cofres públicos vêm sofrendo ao longo de toda sua história, pois, como é sabida, a inoperância da administração pública está intrinsecamente associada à falta de recursos, os quais se não fossem desviados e literalmente furtados do erário, certamente seria suficiente para reduzir substancialmente ou até mesmo eliminar os deficts com a saúde, educação, moradia, habitação, segurança, estradas, portos, aeroportos, dentre outros.

A quem se habilite a checar numericamente tal assertiva, sugerimos que basta somar as cifras que sabidamente foram desviadas dos cofres públicos e confrontar o resultado do somatório com as estimativas de gastos estimados para a realização das obras de infraestrutura básica de que necessita a nação.

Ainda acerca dos saques aos cofres públicos, o que a nosso ver é causa de todos os nossos déficits, é de lamentar que, infelizmente, tais fatos tenham se repetido a cada novo dia. Para se confirmar isso basta acompanhar os noticiários para ver que novos e inacreditáveis escândalos surgem um atrás do outro, cujas investidas são cada vez mais audaciosas e sofisticadas, e, o que é pior, têm contado com o envolvimento de pessoas ligadas as mais diversas instituições, como se o país estivesse acometido de um grave câncer em fase de metástase, onde só com o milagre da purificação das nossas instituições a cura se operará.

Nessa seara, vislumbramos que os mecanismos de contratação através das parcerias público-privadas, se levados a sério, como fora em outros países, pode colaborar com o avanço do País, por outro lado, tememos que “o tiro saia pela culatra”, ou seja, que tais mecanismos venham a ser, tendenciosamente, mal conduzidos, dando margens a  superfaturamentos e favorecimentos em detrimento dos cofres públicos, o que não nos causaria nenhuma estranheza, pois, infelizmente, fatos dessa natureza têm se repetido com grande frequência no âmbito da administração pública pátria.

Feitas essas breves reflexões e de tudo o que foi exposto, buscou-se demonstrar a importância do estudo dos principais pontos polêmicos (ppp’s) da  Lei nº 11.079/2004, a qual   instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada (PPP`s) no âmbito da administração pública, cujas polêmicas impressionam não só pela quantidade, mas, principalmente, pelo intensidade das controvérsias, fato que, não obstante nossa dúvida acerca da conveniência e oportunidade das comentadas PPP’s, a nosso ver, e lamentavelmente, provoca incerteza e insegurança jurídica, e que certamente desaguará no Judiciário, situação que tende a comprometer as tão almejadas metas de desenvolvimentos lançadas pelo Governo Federal através do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC - 2007-2010, em cujas premissas para superar os gargalos e expandir o investimento em infraestrutura no País, inclui-se, a desejada e inevitável implementação de parcerias entre o setor público e o investidor privado, notadamente agora em decorrência da perda de arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões em decorrência da queda da CPMF.

Ademais, espera-se que o presente e brevíssimo estudo sirvam de estímulo a novas reflexões, visando com isso o afloramento do melhor juízo acerca da solução das polêmicas aqui reportadas, de sorte que a situação seja, definitivamente, pacificada, seja pela pelo advento de novas normas pertinentes e consentâneas ao caso, seja pela manifestação - em definitivo - de nossa Corte Suprema sobre a matéria.

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