Dom Henrique Soares
Bispo de Palmares – PE.
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santa Palavra do Senhor nos fala de um Deus que vem. E ele vem sempre, amados!
Vem porque está entre nós na potência do seu Santo Espírito, que age
constantemente nos sacramentos da Igreja, que proclamam a Palavra da Salvação e
tornam realidade essa Palavra salvífica! Eis, portanto, nosso Deus vem, vem
sempre no seu Filho Jesus pleno do Santo Espírito. E quando ele vem, a nossa
sorte muda: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus: é ele que vem para
vos salvar! Abrir-se-ão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos
surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos… brotarão
águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. A terra árida se transformará em
lago, e a região sedenta, em fontes d’água”. Ó caros! Não é coxo o
mundo atual, não é cego, não é seco? Vede ao redor em que tem se tornado a
nossa existência! Tanto mais o homem se feche para Deus, tanto menos vive,
tanto menos se realiza, tanto menos é feliz… E, no entanto, se nos abrirmos, se
nos deixarmos curar, o Senhor transformará a nossa pobre vida: nossa surdez
será curada e escutaremos a doce voz do Senhor que nos guia, nossa mudez
transformar-se-á em canto de exultação e da sequidão do nosso coração sem vida,
a água fresca e vivificante brotará em abundância! Humanidade dura e teimosa, a
nossa, que procura vida sem Deus e não encontra a não ser desilusão! Pois bem,
caríssimos, é de paz, é de vida, é de felicidade que o Senhor nos fala hoje,
nos fala sempre nos anúncios dos profetas! E o que eles anunciaram para os
tempos do Messias, tempos de salvação, o Senhor Jesus realiza em plenitude:
hoje, no Evangelho que ouvimos, ele coloca os dedos nos ouvidos dum surdo-mudo
e, com a saliva, toca-lhe a língua. Que significa esse gesto? A saliva, para os
judeus, era o ar feito líquido. Assim, Jesus dá seu Sopro, seu Espírito ao homem.
Agora aquele zé-ninguém, aquele surdo-mudo de vida semi-humana é homem novo:
pode ouvir o Senhor, pode proclamar suas maravilhas! Mas, não é isso que somos?
Não é isso que devemos testemunhar com a nossa vida?
Recordam,
irmãos amados, do rito batismal, quando o sacerdote traçou o sinal da cruz nos
nossos ouvidos e nos nossos lábios, repetindo o gesto de Jesus? Recordam quando
ele exclamou: “Efatá!”, como o
próprio Jesus, naquele tempo? Recordam? Surdos curados por Jesus, é o que
somos; mudos libertados pelo Senhor, é a nossa realidade! Agora curados,
aprendamos a escutar realmente a palavra e os apelos daquele que nos curou;
agora libertos, proclamemos ante o mundo incréu as maravilhas daquele que nos
livrou e nos chamou das trevas para a sua luz admirável! Somos novos em Cristo,
somos novas criaturas! Externemos essa realidade com nossa vida pessoal e
comunitária! Ó cristão, quantas vezes será necessário exortar-te a viver de
acordo com aquilo que tu és? Por que és frouxo, por que covarde, por que sem entusiasmo,
por que omisso, por que és duro e surdo para a voz do teu Senhor? Por que,
caríssimos meus, o nosso modo de viver não impressiona? Por que nosso
testemunho do Senhor não contagia os outros? Por que nossas ações não iluminam
o mundo em trevas? Porque fugimos do Senhor, porque não deixamos que ele nos
toque, nos cure, nos liberte! Sufocamos a graça recebida no batismo! E como a
sufocamos? Pela vida frouxa, pela existência displicente, que não leva a sério
realmente a ação libertadora do Senhor em nós!
Somos
novos de uma nova vida! Novos, cada um de nós; novos, nós todos como Igreja!
Somos a comunidade dos que experimentam essa vida nova, dos que vivem já neste
mundo o sonho de um novo modo de existir. Não se trata, meus caros, de um ideal
sociológico ou simplesmente humanístico: o motivo da vida nova é o Cristo de
Deus que, nos dando o seu Santo Espírito, faz-nos criaturas novas, capazes de
viver no seu amor e do seu amor. A Igreja é isso: uma comunhão brotada do amor
do Cristo – e este amor é o Santo Espírito. Uma comunidade que vive neste
Espírito, que não é o do mundo, que não é o da esquerda festiva ou da direita
egoísta, do centro omisso ou dos extremos exaltados… Nossa vida, nossa
inspiração, nossa força é o Espírito no qual o Pai e o Filho se amam e se dão!
Pois bem! Uma comunidade que vive nesse Espírito não admite discriminações
injustas, não admite o desprezo de uns pelos outros, sobretudo dos seus membros
mais frágeis e pobres. Uma comunidade “espiritual” julga segundo os
critérios do Evangelho e descobre que aquilo que para o mundo é frágil, é
perdido, é sem valor, na verdade é o que há de mais precioso aos olhos de Deus:
“Meus
queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem
ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?” Aqui não
se trata de bom-mocismo, de uma filantropia meramente humana; trata-se, antes,
de uma consciência que brota da contemplação do próprio modo de agir de Deus:
ele ama o miserável porque é misericordioso, ele se volta para o pobre, de
qualquer pobreza que seja, porque nos ama gratuitamente, e lhe apraz retirar o
pobrezinho do monturo e elevá-lo com os nobres do seu povo! Neste sentido, São
Tiago nos chama atenção para uma realidade bem concreta, palpável em cada
geração: são os pobres, os débeis, os fracos que mais têm fé, que mais se
abandonam no Senhor. Quem enche nossas igrejas? Quem é mais generoso para com
Deus? Quem mais se esforça para levar a sério os preceitos do Senhor? Quem mais
teme a Deus? Em geral, os pobres, os sofredores, os desvalidos! E por quê?
Porque ali, na humana miséria, podemos ver sem máscaras aquilo que somos o
tempo todo: pobres! Ainda que não queiramos admitir, somos todos pobres, todos
necessitados, todos dependentes diante de Deus. Precisamente aqui está a grande
bem-aventurança: ser pobre diante de Deus. E são os pobres do mundo e os pobres
de nossas comunidades quem melhor nos lembram isso! Olhemos os pobres e vejamos
o que somos; sirvamos e honremos os pobres, e serviremos e honraremos aquele
por quem e para quem somos!
Neste
sentido, a segunda leitura deste hoje é um sério convite a que nos perguntemos
sobre como nossa comunidade e nossa casa se comportam em relação aos pobres e
carentes do mundo. Damos-lhe atenção? Preocupamo-nos com eles? Uma comunidade
cristã – a de casa, da paróquia ou do grupo e movimento de Igreja – que não
abra o coração para os pobres, não é comunidade cristã! É incômodo isso que eu
digo; mas, é a verdade da Palavra de Deus, que não pode ser maquiada nem
domesticada! Nosso comportamento em relação aos pobres definirá nossa situação
para sempre diante de Cristo no Último Dia! Disso não tenhamos a mínima dúvida!
Portanto, ouçamos e tremamos!
Caríssimos,
calem no coração as palavras que o Senhor hoje nos dirigiu. E que esta Eucaristia
cure nossa surdez, desate nossa língua e converta o nosso coração. Amém.
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