Jonathan Ferreira
Missionário da Comunidade Canção Nova
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jejum é uma das práticas
espirituais mais antigas. São inúmeros os exemplos ainda no Antigo Testamento
sobre essa prática. Moisés, Elias, Daniel, os profetas, Joel, Jeremias, Isaías
e tantos outros exortaram a respeito deste tema. Nos Evangelhos, temos o
próprio Jesus dando o exemplo: “Jejuou quarenta dias e quarenta noites.” (Cf
Mt 4,2); e exortou os discípulos para que assim também o fizessem: “Quanto
a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de oração e de jejum” (Cf
Mt 17, 21).
Os apóstolos jejuavam, posteriormente os
padres da Igreja e igualmente os inúmeros santos da Igreja Católica ao longo da
história. É certo que estamos falando de uma prática espiritual consolidada e
eficaz. Para que não haja confusão, precisamos definir o que é o jejum:
trata-se da privação daquilo que é alimento. Portanto, não estamos falando de
deixar de assistir à TV, abster-se de redes sociais ou simplesmente não
comer doces ou não beber refrigerante. Todas essas coisas entram na categoria
de penitências, favorecem a vida ascética, mas não é jejum
propriamente dito conforme a Igreja ensina. Uma forma de fazer jejum é a
seguinte, ao longo do dia, a pessoa deve tomar apenas uma única refeição
completa que seja capaz de saciá-la, mas que não contenha excessos, e, ao longo
do mesmo dia, outras duas refeições modestas, como lanches simples que mantêm o
caráter penitencial e austero do jejum. Também é possível praticar o jejum da
seguinte forma, uma refeição completa sem exageros, mas que sacie e, ao longo do
mesmo dia, dois ou mais momentos em que se come pão.
Em um dia
de jejum, como em um dia normal, é necessário sempre se hidratar tomando muita
água e não devemos deixar de tomar remédios, caso necessário. Não devemos ter
lanchinhos, “beliscar” as coisas da cozinha, chupar balas etc., esse hábito
foge do caráter de austeridade que o jejum exige.
Segundo o ensinamento da Igreja, os dias
obrigatórios para o fiel praticar o jejum são: a Quarta-feira de Cinzas e a
Sexta-feira da Paixão do Senhor. Esta lei eclesial se aplica a todos os fiéis
católicos com idade de 18 a 60 anos. Mas isso não impede que, generosamente e
para purificar-se, a pessoa faça jejum muitas vezes durante o
ano, inclusive, é bom que se tenha o hábito do jejum. Tendo dito isso, acredito
que podemos partir para o efeito do jejum na vida de quem o pratica. Existe, no
interior do homem, uma tríplice concupiscência: a soberba da vida, a
concupiscência dos olhos e a concupiscência da carne. Essas concupiscências
agem no interior do homem e, de maneira resumida o faz estimar a si próprio de
maneira desordenada, buscar desordenadamente as coisas materiais e buscar desordenadamente
os prazeres sensíveis. O jejum é a ferramenta que favorece para que seja
ordenado, no interior do homem, a busca pelos prazeres sensíveis. O que é o
prazer sensível? São aqueles que advém do uso dos nossos cinco sentidos, em
especial o tato e o paladar. O homem que vive supervalorizando os prazeres pelo
sentido é como animais irracionais. Ou seja, o homem que age tão somente levado
pelo prazer sexual ou da bebida ou comida, é semelhante aos animais que não
conseguem se conter sexualmente. Os cachorros, quando veem uma cadela no cio ou
uma vasilha de comida, logo se lançam para saciar-se desconsiderando toda e
qualquer regra moral ou espiritual, agem dispensando o aspecto racional (nem
sequer possuem tal potência) e se comportam como verdadeiras feras
selvagens. Este tipo de homem, que age como um animal irracional porque busca
de maneira desordenada o prazer sensível, tem muita dificuldade na vida de
oração, ele mal fecha os olhos para rezar e logo inúmeras imagens e
preocupações lhe assaltam o pensamento levando-o a distrair-se.
Quando este mesmo homem se coloca a
estudar, mal consegue concentrar-se por poucos minutos, fica inquieto, entra na
rede social para encontrar algum entretenimento nas redes sociais ou se levanta
de sua mesa à procura de alguém para conversar e distrair-se. Tudo isso porque
necessita de estímulos, seja sonoro, visual, tátil ou palatável. Alguém poderia
dizer: mas eu tenho o temperamento sanguíneo e a distração é algo “normal” para
o meu temperamento. É certo que existem diferenças entre temperamentos, alguns
são mais expansivos e outros menos, contudo, não é sobre isso que estamos
falando. Mesmo uma pessoa com temperamento expansivo como o sanguíneo é capaz
de concentrar-se, não viver procrastinando, desenvolver um sólido trabalho
intelectual e alcançar a santidade. O melhor exemplo neste caso é Santo
Agostinho, um sanguíneo que soube moderar os prazeres sensíveis, nos deixou um
legado filosófico e teológico imenso e ainda se tornou um santo doutor da
Igreja. Tenha a certeza de que ele não conseguiria levantar todo esse edifício
espiritual se não tivesse domado suas paixões mais baixas, no caso, a
concupiscência da carne. Esse é o início da santificação do homem.
Além do benefício ascético relacionado à
prática do jejum, existe uma graça espiritual que a mesmo comporta. Podemos
verificar isso na passagem do livro de Jonas, que exortava o povo de Nínive à
conversão: “Jonas entrou na cidade e começou a andar. Caminhou um dia inteiro
dizendo assim: ‘Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída!’. Os ninivitas
passaram a crer em Deus e proclamaram um dia de penitência, vestindo-se todos
de saco do maior ao menor. O fato chegou até o conhecimento do Rei. Mandou
também publicar e proclamar aos ninivitas este decreto do rei e de seus
ministros: ‘As pessoas, os animais, o gado e as ovelhas não poderão provar
nada, ficando sem pastar e sem água. Pessoas e animais deverão se vestir de saco,
clamando a Deus com força’” (Cf. Jn 3,4-8). E o resultado dessa boa
prática foi o seguinte: “Deus viu o que eles fizeram e como voltaram atrás de
seus caminhos perversos. Compadecido, desistiu do mal que tinha ameaçado. Nada
fez.” (Cf. Jn 3,10). Esse é um exemplo claro do jejum aliado à oração,
que favoreceu a conversão de um povo inteiro. Escutaram a pregação de Jonas e
tiveram fé, virtude fundamental para o crescimento espiritual. Jejuaram e
clamaram a Deus, suplicando a Sua misericórdia. Portanto, não se trata de uma
demonstração de força humana, mas de um reconhecimento de sua própria miséria,
o homem se recusa temporariamente a receber o alimento material para receber em
abundância do alimento divino.
Ainda sobre a força espiritual do jejum
aliado à oração, podemos citar o versículo com o qual iniciamos esse
artigo: “Quanto a esta espécie de demônio, só se pode expulsar à força de
oração e de jejum” (Cf. Mt 17, 21). Existem forças malignas que agem
neste mundo, quando temos uma vida de oração profunda e somamos isso às
práticas penitenciais como o jejum, podemos dizer que, temos um manancial de
graça para combater o mal e começamos a viver conforme o ensinamento de São
Pedro em sua carta: “Sede sóbrios e vigilantes. O vosso adversário, o diabo,
anda em derredor como um leão que ruge, procurando a quem devorar” (IPd 5,
8).
Para finalizarmos esse artigo, tenhamos
em mente o seguinte: não se conhece, na história da Igreja, algum santo que não
tenha usufruído desta ferramenta santificadora. Sendo assim, com discernimento
e generosidade, dedique-se para crescer, dia após dia, nessa prática espiritual
fecunda. O Senhor nos convoca para a santidade.