Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá-AP
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em palavras que só ao dizê-las, ou
escrevê-las, provocam impacto, dúvidas e discussões. Parecem perigosas ou
grandes demais. “Autonomia” é uma destas palavras que tem o poder de suscitar
imediatamente a busca de adjetivos que a expliquem ou definam suas limitações.
Deste jeito parece sempre mais oportuno acompanhar a palavra “autonomia” com
características como adequada, responsável, relativa. Vale a pena nos perguntar
porque tantos questionamentos, sobretudo quando a “autonomia” em questão é
referida aos leigos e as leigas no seu “apostolado” pessoal ou reunidos em
grupos e associações.
Pode ajudar o exemplo comum do trabalhador
“autônomo”, experiência que muitos leigos e leigas vivem. Simplesmente,
significa que não tem patrão e nem salário fixo; ele mesmo é o dono do seu
negócio ou da sua atividade, paga os seus impostos e as consequências da
situação: pode ganhar ou perder. Tem que se virar. É fácil entender, porém, que
a “autonomia” dele não é absoluta, depende dos outros. Se os fregueses são bons
ou maus pagadores, se os concorrentes são leais ou desleais, se os assaltantes
não levam tudo. Dependendo dos produtos ou serviços que ele oferece, a margem
de lucro pode depender do sol ou da chuva, com certeza deve prestar atenção aos
últimos lançamentos para não ficar tudo envelhecido e obsoleto. É autônomo sim,
mas nem tanto.
Se voltamos a falar das coisas da Igreja
percebemos que muitas discussões sobre a autonomia não levam a nada. Nascem
mais do medo de perder algo, como a posição ou o poder, que da boa vontade de
colaborar na busca de uma verdadeira eclesiologia de comunhão. Na Igreja
ninguém é totalmente autônomo pela simples razão de que todos juntos formamos o
Corpo Místico de Cristo. A comparação é de S. Paulo. Nenhum membro do corpo
humano pode dizer que não pertence ao mesmo corpo e que não precisa dos outros
membros. A beleza e a funcionalidade do corpo está na diversidade dos membros.
“Assim também acontece com Cristo... Todos fomos batizados num só Espírito,
para formarmos um só corpo... (cf. 1 Cor 12). À mesma conclusão chegaríamos se
fôssemos buscar no evangelho de João a imagem da videira e dos ramos (cf. Jo
15,1ss). Estes vivem e produzem frutos somente se continuam unidos ao tronco da
videira. Se forem cortados, ficam secos e não servem mais para nada. Vão para o
fogo.
Autonomia não significa, portanto,
isolamento, independência ou autossuficiência. Nem pensar de poder ficar longe
da “graça” de Deus e fora do amor da mãe Igreja. Neste caso seria arrogância e
imaturidade. Autonomia é a capacidade de tomar decisões, levando em conta a
própria situação, competência e aptidão. É consciência dos dons recebidos no
Batismo. Vai junto com a responsabilidade e, mais ainda, com corretos
relacionamentos com os outros. Autonomia é a consciência da própria maturidade;
não pode ser eterna dependência ou insegurança. Todos precisamos sempre nos
confrontar com as pessoas nas quais confiamos, escutar opiniões e conselhos,
mas não ao ponto de não saber nunca o que fazer se nos faltarem suas
orientações. Seríamos eternas crianças.
Estamos falando da autonomia própria de um
laicato adulto, capaz de assumir as próprias responsabilidades dentro e fora da
Igreja, nos serviços e ministérios eclesiais, mas também com projetos de vida
próprios movido pela liberdade e a criatividade do Espírito Santo que distribui
também livremente os seus dons. Tudo começa pela confiança. Deve ser a mesma
que Jesus teve com os apóstolos ao anoitecer do dia de Páscoa quando se mostrou
a eles ressuscitados e lhes disse: - Como o Pai me enviou eu também vos envio -.
Então soprou sobre eles e falou: - Recebei o Espírito Santo...- (cf. Jo
20,19-23). Por que tanto medo? Será que Jesus não levou em conta as nossas
fragilidades e os nossos pecados? O Espírito Santo não é o espírito de escravos
para recair no medo, mas da vida nova em Cristo (cf. Rm 8). Nos lembra papa
Francisco: “A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um
dos batizados. Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão
para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque se uma
pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus, que o salva, não precisa de
muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem
muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que
se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus, não digamos mais que somos
“discípulos” e “missionários”, mas sempre que somos “discípulos missionários””
(EG 120).
Já dizia o Concílio: “Os leigos são chamados
de modo especial a tornar presente e operante a Igreja naqueles lugares e
circunstâncias, onde ela só por meio deles pode vir a ser sal da terra. Assim
todo o leigo, por virtude dos dons que recebeu, é testemunha e ao mesmo tempo
instrumento vivo da própria missão da Igreja “segundo a medida do dom de Cristo
(Ef 4,7)”” (LG 33). Entendemos que é sobretudo nestes “lugares” e nestas
“circunstâncias” que o laicato deve poder exercer a sua autonomia por ser de
fato a Igreja viva presente e atuante naquela situação. Vejam o peso da
responsabilidade, mas fugir disso seria pecado de omissão, culpa que raramente
confessamos.
Autonomia, repito, não é isolamento, mas
busca constante de comunhão e fraternidade. Autonomia não é rebeldia e disputa.
É colaboração livre e consciente. Não é promoção de parte, é doação e entrega
para todos. Não é autocontemplação, é corresponsabilidade, partilha, mutirão.
Coisas, porém, que, talvez, todos precisamos
aprender juntos de novo.
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