Dom Walmor Oliveira de Azevedo |
Obviamente, não
se alcança a necessária conduta moral de “uma hora para a outra”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte-MG
N
|
a antiga tradição, candidato era aquele que
se vestia de branco, candidus, para se apresentar ao sufrágio de escolhas no
contexto da comunidade. Portanto, candidatar-se significava, antes de tudo, ter
condição moral e ousadia para assumir exercícios de representatividade. Ser
cândido é zelar pela conduta honesta e ilibada. A partir dessa compreensão, é
possível concluir que os eleitos precisam continuar candidatos, isto é, devem
se empenhar, dia a dia, com incidência em cada um dos seus atos, escolhas e deliberações,
no compromisso de alicerçar-se numa conduta merecedora de confiança.
O primeiro compromisso dos representantes
públicos deve ser assumir a condição de servidor do povo. Assim também deve ser
nos diferentes âmbitos e instâncias da sociedade, incluindo religiosas,
corporativas, educacionais e todas as outras que articulam a identidade
pluralista da contemporaneidade. Leves descuidos, seja na esfera pessoal ou
social, provocam sérios prejuízos, alimentam vícios que comprometem o
desenvolvimento e impedem a inadiável construção de um mundo mais justo e
solidário.
Se alguém se candidata, sua moralidade há de
ser a base primeira, antes mesmo da indispensável competência administrativa e
técnica. Pode se imaginar o desastre
quando faltam parâmetros morais a um gestor. Obviamente, paga-se um preço
muito alto.
O candidato eleito não pode agir de modo
superficial, pois sua autoridade política deve ser instrumento de coordenação
das relações, procedimentos, funcionamentos e instituições para que estejam a
serviço do desenvolvimento humano integral. Nesta perspectiva, pois, não
bastaria ao representante do povo apenas lutar por algumas causas, nem mesmo
somente trabalhar para garantir o desenvolvimento econômico, em vista de uma
organização social equilibrada. É imprescindível compreender e,
consequentemente, agir à luz e no horizonte do desenvolvimento integral.
Aponta-se aqui que não será exitosa uma representação, gerência ou condução na
sociedade se prevalecerem as lacunas humanísticas e o estreitamento de
interesses cartoriais.
Certamente, dessas lacunas derivam as
mediocridades que fragilizam a necessária ideologia político partidária, que
deveria contribuir para o debate e exercício da cidadania. Em vez disso, servem
de “trampolim” para ações egoístas, que beneficiam poucos e enfraquecem o gosto
pelo bem comum, especialmente pelos mais pobres.
Os avanços sociais vividos no Brasil das
últimas décadas ainda não são suficientes para a equidade própria de uma
cultura civilizada. É bom lembrar que sem o espírito de candidato, comprometido
com o desenvolvimento integral, o prejuízo é previsível e torna-se permanente a
carência de respostas. Continuam os loteamentos e aparelhamento de máquinas
públicas, uma sedução para quem, por falta de lastro humanístico, se corrompe
no poder e no dinheiro. Obviamente, não se alcança a necessária conduta moral
de “uma hora para a outra”. Só quem, ao longo da vida, trilha esse caminho
consegue reconhecer a centralidade que é o bem do outro e, sobretudo, dos que
são os pobres. Portanto, manter-se na condição de “candidato puro” é zelar pela
própria autoridade moral. Para isso, não basta apenas o respeito a normas e
valores de caráter puramente históricos e sociológicos. Torna-se imprescindível
reconhecer a dimensão de transcendência da ordem moral, universal e absoluta,
de igual valor para todos. Sem esse reconhecimento, a luta pelo poder levará à
insanidade. A manipulação interesseira é berço perene da corrupção. A incompetência
humanística e relacional alimenta uma sociedade incivilizada, que sofre com as
arbitrariedades e usurpações.
A ordem
moral não pode existir sem Deus. Separada dele, desintegra-se. E cada
candidato eleito, atuando no Estado laico, de modo a respeitar sua
incontestável laicidade, o enriquece com essa força. A ordem moral é base que
permite buscar o bem de todos. Por isso, não basta ao eleito dominar
estratégias e compreender mecanismos de funcionamento das instituições. Agora,
terminadas as eleições, está dada aos eleitos a oportunidade de evitar
exercícios medíocres do compromisso assumido e da confiança conquistada.
Espera-se que cada representante tenha como ponto de partida uma visão
articulada do desenvolvimento em nosso tempo. Assumam sempre, como prioridade,
o trabalho para que os mais sacrificados da sociedade superem a fome, a
miséria, as doenças endêmicas, o analfabetismo de todo tipo, promovendo
audaciosas reformas. Faço votos para que os escolhidos continuem comprometidos
com suas propostas e não esqueçam que devem ser sempre candidatos, candidus.
Dom Walmor Oliveira
de Azevedo - Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, é doutor em Teologia
Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana (Roma, Itália) e mestre em
Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico (Roma, Itália).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Informe sempre no final do seu comentário o seu nome e a sua Cidade.